segunda-feira, 24 de outubro de 2022

O OLHAR CAMARADA PARA AS LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS

 


Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA

 

            Quando nos aproximamos de uma comunidade, geralmente é por intermédio de alguma liderança local. Mesmo assim, não foram poucas as vezes que escutamos alertas do tipo: “Cuidado! Não vá se meter com fulano, ele é cheio de trambicagem.”

            As lideranças comunitárias são bastante assediadas pelos inimigos do povo, os representantes da classe que produz as necessidades mais elementares que afligem a maioria da população. Criam a miséria e depois aparecem como bons-moços trazendo projetos para a comunidade ou para benefício exclusivo do líder, quase sempre pressionado pelas bases a dar respostas urgentíssimas aos problemas urgentissimamente sentidos.

            Esta é a realidade em muitos lugares. Fugir dela não é justificativa coerente com a militância convencida da construção do Poder Popular. Aqui não cabe nem romantismo, como se a gente do povo fosse uma entidade pura, isenta de malícias, nem julgamento ou dedo apontado farisaicamente para as eventuais contradições. Sempre existe um contexto, e é nele que o Trabalho de Base se insere, para provocar as transformações necessárias.

            Isso não significa que devamos entrar em todas. Alguns aspectos precisam ser considerados, como as informações anteriores ao primeiro contato. Quanto mais as tivermos, melhor. Elas podem revelar, inclusive, que o que parece uma comunidade, reunida em torno de necessidades e objetivos comuns, na verdade não o é. Neste caso, é melhor partir para outra. No entanto, não podemos converter tais informações em preconceitos. No dia a dia é que a verdade dos fatos, as possibilidades do despertar e do avançar da consciência e da organização de classe se revelam. Aliás, a própria militância, igualmente com suas contradições, depende deste convívio para forjar sua consciência e preparo.

            Boa parte das práticas das lideranças comunitárias, que hoje apontamos como desvios, não será superada por intermédio de conselhos ou formação. Como disse, há um contexto e, enquanto uma alternativa real não for construída, as condições que encalacram e levam à tal prática seguirão seu fluxo. Donde subentende que a pregação da revolução começa levando em conta as necessidades mais imediatas da classe.

            No mar de lama das dificuldades, a pessoa se agarra ao que aparece para sobreviver, ainda que a boia “salvadora” seja a própria boca do esgoto de onde a lama jorra. Assim, “ao invés de condenarmos a escuridão, acendamos uma luz”.

            O primeiro e mais fundamental raio de luz é se aproximar, entrar em contato, conviver. Como se diz que não há espaços vazios na política, a ausência de Trabalho de Base na perspectiva da construção do Poder Popular facilita a propagação das trevas da ideologia da dominação.

           O contato com a liderança deve se tornar contato com a comunidade, Trabalho de Base. Começar por acolher e cultivar os valores comunitários já existentes é uma boa dica. Ao fortalecê-los, a partir do testemunho, enfraquecem-se os desvalores, o individualismo, a indiferença... O zelo e o empenho militante farão com que a comunidade o leve a sério em suas análises e proposições. Nesta interação, se processa um mútuo aprendizado, uma mútua conversão, e também depuração.

Nos meus anos de Trabalho de Base, me deparei com algumas falsas lideranças, picaretas “incorrigíveis”, traidores da própria classe. No entanto, posso falar com absoluta tranquilidade, que a imensa maioria das lideranças que encontrei são pessoas honradas, muitas tendo que se virar em meio a profundos escombros produzidos pelo sistema capitalista, devorador de carne trabalhadora. O trabalho com esta companheirada nos ensina a sermos militantes melhores, a não julgarmos, a darmos importância a questões aparentemente miúdas, mas carregadas de significados vitais.

Encontramos muita humanidade em meio às contradições provocadas por uma sociedade incorrigível, que precisa ser superada, mesmo que contra a vontade de uns, para o bem de todes.

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