Camilo da Mata, militante da Organização Popular - OPA
O governador do Ceará, Elmano de
Freitas, tem repetido insistentemente que o consumo de agrotóxico no
estado aumentou após a criação da Lei Zé Maria do Tomé, aprovada
em 2019 e que proibia a pulverização aérea de agrotóxicos. A
valer, o que o chefe do executivo estadual faz é insinuar nas
entrelinhas que de nada importa ou mesmo que a culpa pelo aumento do
consumo do químico empresarial no estado decorre da proibição da
chuva de veneno. Um argumento, esse sim igualmente envenenado, cujo
objetivo é justificar uma lei criminosa, a que autoriza a
pulverização por drones, sancionada por ele e mais 22 deputados em
dezembro de 2024.
O
consumo de agrotóxico
realmente subiu
depois que a
Lei Zé Maria do Tomé entrou
em vigor, mas
não foi
por causa dela. Aliás,
ele subiu antes, durante e depois da lei. Subiu
apesar da lei! O porquê
isso ocorre veremos agora.
O
fato das políticas governamentais estarem em total consonância com
a lógica do agronegócio é
o principal fator do crescente e constante
consumo de agrotóxico. É a lógica para a qual governam e legislam
a maioria dos parlamentares. A empresa quer lucro, e quanto mais
vende, mais lucro obtém, independente das consequências. A empresa
que produz veneno quer vender mais
veneno,
e vende mais quanto mais largas são as facilidades.
Assim sendo, o
Plano
Safra 2024-2025, do
Governo Federal, que
destina quase 500 bilhões de reais de
dinheiro dos cofres públicos
para o agronegócio, tornou-se
o maior da história do
Brasil. Sem
contar toda infraestrutura, água e terras fartas que são
disponibilizadas pelo Estado para as grandes empresas do ramo. No
Ceará, o agrotóxico
paga zero por cento de imposto para
circular! É
como um assassino que se
movimenta livremente
fazendo suas maldades à luz do dia, sem ser incomodado pela força
da lei, ou pior,
sendo respaldado por ela.
Por falar em assassino, o que
mandou matar Zé Maria do Tomé segue soltinho da Silva, recebendo
facilidades e honrarias. Zé Maria foi assassinado com mais de 20
tiros pelas costas quando protestava contra a pulverização aérea
de veneno e denunciava o roubo das terras da Chapada do Apodi por
parte das empresas.
De 1990 a 2021, foram despejados
1.300% a mais de agrotóxicos no ambiente e nos corpos brasileiros.
Agora, imagina o que seria
de nós sem os cinco anos em que a pulverização aérea esteve
proibida no Ceará!
Difícil acreditar
que
alguém pode
insinuar
seriamente que
a proibição
da
pulverização aérea faz aumentar o uso de veneno ou
que não tem a menor importância.
Ora, o que
é melhor para uma empresa multinacional
que lucra com a morte: ter
liberadas dez maneiras diferentes de envenenar, ou contar apenas com
metade delas, tendo as outras cinco proibidas?
Dos 10 agrotóxicos mais vendidos no Brasil, cinco estão banidos da
União Europeia. O que interessa
mais a
uma empresa que produz agrotóxicos: ter todos os seus produtos
liberados para a comercialização ou somente parte deles?
O consumo de veneno cresce porque
governadores e parlamentares, com
raras e
honradas exceções,
eleitos pelo povo, governam e legislam contra o povo, ainda que isso
os torne
uns fora-da-lei.
Não é difícil entender: se a lei Zé Maria do Tomé proíbe a
pulverização aérea de agrotóxico, é de se supor que nem de
bolinha
de papel arremessada ao ar
o veneno poderia
ser lançado. Ou seja,
a lei que autoriza a pulverização aérea por drones é uma lei
fora-da-lei, já que, em
tese, a lei Zé Maria do Tomé continua em vigor.
A propósito, na
Europa, a pulverização aérea é proibida, seja de avião, drone ou
disco voador. Das duas,
uma: ou o povo brasileiro
é uma espécie mutante com superpoderes que
nos
tornam imunes
ao veneno; ou, se faz mal
lá, faz mal aqui também.
Outra
justificativa utilizada
pelo governador é a de
que os drones protegeriam o trabalhador, já que este não precisaria
manusear diretamente o produto tóxico. Como não?! Por acaso é o
empresário quem abastece o drone? É ele quem controla a máquina ou
mora nas imediações de onde está chovendo veneno? O
que se diz mesmo
é que os grandes homens
de negócio sequer
se alimentam do que seus trabalhadores produzem.
Preferem o natural ao
plástico. Eles sabem bem
o mal que fazem.
Esse
argumento do governador,
tão envenenado quanto o primeiro,
assemelha-se
bastante aquele que se tornou corriqueiro escutar nos últimos
tempos, de que política
pública de segurança é
armar o “cidadão de bem”. “Se você
tem dinheiro, nós o
licenciamos para que se
arme, com pistola, fuzil ou drone.”
Os trabalhadores não querem ter
que escolher entre morrer com tiro de pistola ou de fuzil. Os
trabalhadores e trabalhadoras não querem ser envenenados é de jeito
nenhum! O que precisam e almejam são políticas públicas que lhes
proporcionem condições de vida digna.
Até porque não
confundamos Política
Pública, aquela
que deveria existir em benefício de toda a população, a começar
por quem mais precisa, com
trabalhar para a indústria
das armas ou
para a indústria do veneno, que, diga-se de passagem, são uma coisa
só. A Monsanto, por
exemplo, uma das gigantes
do agronegócio, é responsável pela produção de munições de
fósforo branco, utilizadas pelo Estado de Israel contra os
palestinos. Quando a
Política é
verdadeiramente Pública,
ela
enfrenta aquilo que faz mal ao público, e
não o favorece.
E como os drones da morte fazem
mal! Como é amplamente
denunciado
pelas mídias
populares, no Brasil,
eles são empregados
até mesmo como
armas de guerra, despejando veneno contra comunidades no intuito de
expulsá-las. Inclusive, enquanto
escrevo estas linhas, chegam-me
vídeos
de vários locais do
Ceará apresentando a devastação que o veneno aplicado por drones
provoca nas comunidades do
entorno (acesse
pelo
insta: @movimento_revogaja).
O agronegócio quer todas as
terras para ele. Como destrói
tudo que encontra pela frente, precisa sempre de mais terras novas,
de mais florestas para devorar. A expansão geográfica da soja que
o diga! Triplicou nas
últimas três décadas, enquanto a desapropriação de
latifúndios para fins de
Reforma Agrária praticamente zerou.
O avanço de um modelo
representa necessariamente o recuo do outro.
A pulverização aérea é tão
indefensável, que nem em
termos de mira dá para se argumentar. Pesquisas da EMBRAPA
demonstram que apenas 32% do veneno lançado ao ar atingem o alvo, e
os 68% restantes podem alcançar até 32 km
de distância.
Nas comunidades da Chapada do
Apodi, especialmente em Quixeré,
Limoeiro e Tabuleiro
do Norte, tão logo se aprovou a lei fora-da-lei, a catinga de veneno
tomou conta do ar. As mães não têm
mais sossego: “Moro numa
das últimas casas da comunidade e não consigo respirar direito com
o mau cheiro. Não tenho mais paz. Passo o dia preocupada com meu
filho que está na escola.” A escola fica bem perto de onde estão
os drones.
À beira da revolta, mulheres da
comunidade fazem um convite anti-Óleo-de-Peroba: “Governador e
deputados que aprovaram a lei dos drones, venham morar uns dias com a
gente. Os senhores e suas famílias. Venham comer de nossa comida,
beber de nossa água, respirar de nosso ar. Seus filhos estudarão em
nossas escolas. Venham! Serão bem acolhidos.”
Como diz a canção: “Quem tá
perto sofre mais, mas quem tá longe a morte vai atrás”. No
Brasil, são quase um milhão de novos casos de câncer a cada três
anos. A doença se alastra no campo e na cidade.
Para finalizar: Se
o governador realmente se
preocupa com a saúde do
trabalhador, deve escutá-lo
antes de qualquer coisa. Uma
excelente
oportunidade é considerar o resultado das dezenas
de milhares de votos do Plebiscito Popular Contra
a Chuva
de Veneno,
fazer as pazes com seu passado de advogado dos Sem Terra e revogar a
maldita lei
fora-da-lei que ajudou a
criar. O
povo saberá reconhecer.
Do contrário, não tenhamos
dúvida: estará matando novamente Zé Maria e sendo cúmplice dos
adoecimentos e mortes que seguirão aumentando com o crescimento do
agronegócio. Sem contar que ir contra a vontade soberana e
consciente do povo é algo completamente inútil, pois só servirá
para ampliar a indignação e a revolta dos que sofrem.
Enfim: se tem veneno, tem
antídoto.