terça-feira, 12 de setembro de 2023

Um ano de TRANCAÇO em defesa da Casa Comum

                                                                    


                                                                 Por Equipe de Comunicação da OPA

 

            Há exato um ano, no dia 12 de setembro de 2022, a Organização Popular – OPA, unificada a sindicatos e movimentos populares, realizávamos o primeiro Trancaço, com o fechamento de três rodovias estaduais do Ceará e um protesto no Palácio da Abolição – sede do governo do estado –,  em Fortaleza, simultaneamente.

             O Trancaço ocorreu depois de várias tentativas frustradas de marcarmos uma audiência com o governo do estado para encaminharmos a resolução de nossa pauta de reivindicações. O não encaminhamento da solução para os problemas sentidos significou, entre outras, o aumento das dificuldades de sobrevivência de milhares de famílias trabalhadoras. Participaram do Trancaço indígenas, quilombolas, Sem Terra, Sem Teto, atingidos/as por barragem, professores/as, pescadores/as, agricultores/as, catadores/as de material reciclável, operários/as, juventude periférica, gente do campo e da cidade.

            Nossos objetivos eram dois: primeiro, o Fora fascistas e seus aliados!, lembrando que estávamos em pleno período eleitoral. O segundo foi cobrar a tal audiência da então governadora Isolda Cela, hoje integrante do Ministério da Educação, do Governo Federal. O primeiro objetivo foi naquele momento conquistado, derrotamos eleitoralmente os fascistas no executivo, tanto a nível federal, quanto estadual. Já em relação ao segundo objetivo, fomos tapeados. O governo se comprometeu em nos receber, mas, ao chegarmos ao local marcado, fechou a porta em nossa cara.

            A pauta da OPA e das demais organizações envolvidas no Trancaço está diretamente ligada ao que o Papa Francisco chama de três “Tês”: Teto, Terra e Trabalho. O capitalismo avança em todo o estado contra o povo de uma forma brutal, destruindo vidas e causando bastante sofrimento. Sendo que boa parte de seus projetos recebem aval e investimento dos governos municipais, estadual e federal. “Dinheiro de nossos impostos, de nosso suor, custando nosso sangue!” A luta assim se torna inevitável, uma vez que se transforma em uma questão de vida ou morte para os primeiramente atingidos, mas não somente. Todas as pessoas que habitam o planeta são afetadas de alguma forma. Por esse motivo, o Trancaço representou o que denominamos de defesa da Casa Comum, a defesa da vida em todas as suas dimensões.

Por exemplo: quando, em nossas ações, gritamos que água e terra fiquem com o povo, para a produção de alimentos saudáveis, e não com as empresas do agronegócio, que envenenam e destroem tudo que encontram pela frente, estamos dizendo um “Sim!” à vida e um “Não!” à morte matada. Esta luta se constitui em suspiro de esperança, mesmo para pessoas que a desconhecem. Desconhecem, mas são atingidas pelo alimento envenenado que consomem, pela violência decorrente da extrema violência que representa a existência do latifúndio, e por aí vai.      

            Com a rasteira que levamos do governo, mais ou menos quinze dias depois, realizamos o Trancaço número 2. Desta vez nos reunimos todos e todas numa rodovia nas imediações do Porto do Pecém, região metropolitana de Fortaleza, por onde se escoa parte da produção do grande capital. Diante da pressão, novamente a governadora se comprometeu em receber nossa comissão, para depois sumir de novo e sua assessoria não mais responder nossas mensagens.

            O ano se passou e um novo governo foi eleito. Com as necessidades do povo se agravando e a ganância capitalista espumando mais destruição pelo canto da boca, organizamos, em Fortim, a I Celebração da Luta em Defesa da Água, do Território e da Casa Comum, isso em março, no Dia Mundial da Água. Lá, foi lida uma carta destinada ao governador Emano de Freitas, que, depois de muita pressão, comprometeu-se em nos receber até o final de abril. Mas eis que chegamos a setembro e a história se repete, com mais uma mentira, mais uma vez o governo nos tapeando, mais uma palavra perdida por entre a malha do ralo da politicagem e dos acordos lodosos com a classe dos capitalistas.

Importante frisar que as três enganações não nos abateram. Muito pelo contrário. A indignação cresce proporcionalmente ao fortalecimento de nossa união e de nossa determinação para concretização de mais uma jornada. Mais comunidades e setores oprimidos se chegam, encontrando na luta unificada a luz do raiar de um novo dia.

Até porque só pode ter sustância e ser verdadeira a política de combate a fome quando se ataca os projetos que causam este mal; não quando os promove. Até porque só pode ter sustância e ser verdadeira a democracia quando o povo participa das decisões que interferem diretamente nos rumos de sua vida.

            Por isso é que celebramos um ano de Trancaço com muito entusiasmo. Por isso seguiremos lutando em defesa da Casa Comum com a fé revolucionária própria daqueles e daquelas que anseiam por dias de vida plena para todas as pessoas.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

COMUNIDADES ATINGIDAS POR BARRAGEM APRESENTAM CARTA-DENÚNCIA E AVISAM: “NÃO SOMOS PEIXE. VAMOS LUTAR!”


 

Por Equipe de Comunicação da OPA – Organização Popular

           

            As comunidades atingidas pela Barragem Fronteiras, em Crateús-CE, parecem ter perdido a última gota de paciência que lhes restava. E olha que há tempos foram mergulhadas num oceano de sofrimentos! Isso porque a obra continua a pleno vapor, com previsão de conclusão para meados de 2024, enquanto direitos fundamentais das famílias atingidas seguem represados.

“A angústia é enorme. Estamos há muitos anos assim. Dois amigos meus entraram numa depressão profunda quando perceberam que as promessas eram só para nos enganar. Eu dizia para eles que íamos sair dessa, que Deus não nos abandonaria. Mas eles não aguentaram e morreram. Agora fizemos esta carta contando nossa história. Não somos peixe, viu?! Vamos lutar!”, relatou seu Francisco de Assis, de 74 anos de idade, agricultor e morador de uma das comunidades atingidas.

            A referida carta conta um pouco quem são as famílias atingidas:

Somos mais de 200 comunidades tradicionais localizadas em Crateús, somos milhares de famílias. Em nossas terras nasceram e se criaram gerações e mais gerações de trabalhadores, gente simples do campo. Sobrevivemos ao longo das décadas graças ao que a natureza nos dá. Graças à agricultura, alimentamos também as pessoas que moram na cidade.”

            E segue:

“...Nunca ninguém nos disse claramente o que vai acontecer com nossas vidas depois da barragem construída. A parede já está sendo erguida e a nós, as pessoas primeiramente atingidas, nos são negados os direitos mais básicos. (...) Para onde irão nossas famílias? E em que condições? O que existe muito aqui, antes mesmo que o primeiro tijolo fosse assentado, é enganação, são promessas não cumpridas.”

            No final, mais uma grave denúncia:

“Para completar, ficamos sabendo que esta água não é para a gente necessitada. Vem para o agronegócio, aquelas empresas que devoram e envenenam tudo que encontram pela frente, e, principalmente, para servir de suporte hídrico para  grandes usinas mineradoras que pretendem se instalar na região. A de Santa Quitéria é uma delas. Obras feitas com dinheiro público, dinheiro nosso, mas a serviço de um desenvolvimento que só nos adoece e nos mata (mulheres, homens, crianças, jovens, adultos, idosos). E isso tudo para quê? Para enriquecer um tantinho de pessoas já muito ricas. Eles não se preocupam com a vida. Eles só enxergam o lucro!”

         A Carta, elaborada e debatida em assembleias nas comunidades atingidas, chegará à cidade de Crateús durante este mês de setembro. Será apresentada em universidades, escolas, comunidades, igrejas.

 Todos precisam saber da verdade. Não somos contra a água, mas ela tem que estar em função da vida, do bem-estar da população, e não da cobiça de alguns. Nossas famílias são as primeiras atingidas, mas, se não nos dermos as mãos agora e lutarmos juntos, futuramente não seremos as únicas com problemas. As pessoas da cidade estão no mesmo barco que a gente”, declarou Maria Helen, atingida e membra da coordenação local da Organização Popular – OPA.    

            A construção da Barragem Fronteiras é gerida com recursos dos governos federal e estadual. As comunidades atingidas, juntas a outras tantas espalhadas pelo estado do Ceará, que passam por tribulações semelhantes, há muito que lutam por uma audiência com o comando destas esferas públicas. No caso de Crateús, o governo federal enviou funcionários sem poder de decisão para entreter as comunidades; e o estadual, este prometeu receber uma comissão da OPA, com a coordenação de todas as comunidades, para encaminhar a pauta de reivindicações até o mês de maio. Já estamos em setembro e, em total desrespeito à vida de milhares de famílias, nenhum retorno foi dado.

 

Leia aqui a Carta na íntegra


CARTA ABERTA DAS COMUNIDADES ATINGIDAS PELA BARRAGEM DE FRONTEIRAS AO POVO DO CEARÁ

 

 

Dirigimos esta carte principalmente ao povo do Ceará, para que todos tomem conhecimento do que há décadas vem acontecendo conosco e que, por se encontrar de alguma forma em situação semelhante ou por sensibilidade, possamos nos dar as mãos e lutarmos juntos contra o mal que nos atinge.

Nós somos mais de 200 comunidades tradicionais localizadas em Crateús, somos milhares de famílias. Em nossas terras nasceram e se criaram gerações e mais gerações de trabalhadores, gente simples do campo. Sobrevivemos ao longo das décadas graças ao que a natureza nos dá. Graças à agricultura, alimentamos também as pessoas que moram na cidade.

Somos famílias ribeirinhas. O rio Poty passa pertinho de nós, bem antes de desaguar no Piauí. Em nossas comunidades, como uma grande família, estabelecemos laços de amizade e de solidariedade. Aqui nos conhecemos todos pelo nome. Ou melhor, pelo apelido. Cada canto, cada pedaço de chão carrega importantes histórias de nossas vidas.

Crateús é tida como região de pouca água. Por esse motivo, é de longa data que se fala na construção de uma grande barragem que acabaria com o problema da seca. Ao menos é o que pregavam, e continuam pregando, os doutores do poder. O que não sabíamos era que tais promessas vinham carregadas de mentiras e que por elas pagaríamos um alto preço.

A Barragem de Fronteiras chegou. Está sendo construída sobre nossas comunidades! Com crimes!

O primeiro deles é que ninguém nos perguntou se aprovávamos.

O segundo é que nunca ninguém nos disse claramente o que vai acontecer com nossas vidas depois da barragem construída. A parede já está sendo erguida e a nós, as pessoas primeiramente atingidas, nos são negados os direitos mais básicos.

Os valores que chamam de “indenização” não cobrem, nem por baixo, aquilo que precisamos para estabelecer, com a mínima dignidade, nossas vidas em outros locais. Os reassentamentos não andam e as irregularidades cometidas pelos órgãos “competentes” inundam nossas comunidades de angústia.

Já não nos dedicamos com a mesma alegria ao cultivo da terra e à criação de animais. Não podemos reformar nossas casas e nenhuma obra dos governos chega por aqui desde que isso tudo começou. Acreditem: até o direito de enterrar nossos mortos está ameaçado! “De que adianta? Tudo vai ficar debaixo d’água mesmo”, é o que costumamos ouvir.

A barragem está sendo erguida e nossos direitos continuam represados! Quando ela for concluída, para onde irão nossas famílias? E em que condições? O que existe muito aqui, antes mesmo que o primeiro tijolo fosse assentado, é enganação, são promessas não cumpridas.

Para completar, ficamos sabendo que esta água não é para a gente necessitada. Vem para o agronegócio, aquelas empresas que devoram e envenenam tudo que encontram pela frente, e, principalmente, para servir de suporte hídrico para  grandes usinas mineradoras que pretendem se instalar na região. A de Santa Quitéria é uma delas. Obras feitas com dinheiro público, dinheiro nosso, mas a serviço de um desenvolvimento que só nos adoece e nos mata (mulheres, homens, crianças, jovens, adultos, idosos). E isso tudo para quê? Para enriquecer um tantinho de pessoas já muito ricas. Eles não se preocupam com a vida. Eles só enxergam o lucro! Neste sentido, nós, eu e você, seremos todos e todas impactados!

Exigimos das autoridades constituídas uma resposta séria e satisfatória. Queremos os direitos das famílias primeiramente impactadas integralmente assegurados. A água não precisa ser envenenada, a terra não precisa ser assassinada. Sabemos e podemos produzir alimentos saudáveis, cultivar a terra sem degradá-la, gerando trabalho digno, saúde e renda para milhares de famílias. Para isso, é preciso que se garanta a qualidade da água, redefinindo seu uso prioritariamente para a população necessitada e para a pequena produção de base familiar-sustentável. Podemos ser exemplo para o mundo!    

Os dragões são feios e cospem agrotóxico e morte silenciosa, mas não são indestrutíveis. Eles também têm medo, muito medo! E sabe de quê? De nossa união e disposição para lutar. Pois será assim, juntos e juntas, que os enfrentaremos e os derrotaremos.

Venha, entre em contato, participe você também desta resistência.

São nossas vidas que estão em jogo. O futuro de dignidade que tanto desejamos não espera. O futuro é agora!

 

Crateús, janeiro de 2023.

DEFENDER A CASA COMUM: CONSTRUIR A RETOMADA ANCESTRAL.

  Robson de Sousa Moraes (Geógrafo, Professor da UEG) robson.moraes@ueg.br     A Terra é nossa Casa Comum, um lar compartilhado ...