Thales Emmanuel, militante da Organização Popular –
OPA
Quando nos aproximamos de uma
comunidade, geralmente é por intermédio de alguma liderança local. Mesmo assim,
não foram poucas as vezes que escutamos alertas do tipo: “Cuidado! Não vá se
meter com fulano, ele é cheio de trambicagem.”
As lideranças comunitárias são
bastante assediadas pelos inimigos do povo, os representantes da classe que produz
as necessidades mais elementares que afligem a maioria da população. Criam a
miséria e depois aparecem como bons-moços trazendo projetos para a comunidade
ou para benefício exclusivo do líder, quase sempre pressionado pelas bases a
dar respostas urgentíssimas aos problemas urgentissimamente sentidos.
Esta é a realidade em muitos
lugares. Fugir dela não é justificativa coerente com a militância convencida da
construção do Poder Popular. Aqui não cabe nem romantismo, como se a gente do
povo fosse uma entidade pura, isenta de malícias, nem julgamento ou dedo
apontado farisaicamente para as eventuais contradições. Sempre existe um
contexto, e é nele que o Trabalho de Base se insere, para provocar as
transformações necessárias.
Isso não significa que devamos
entrar em todas. Alguns aspectos precisam ser
considerados, como as informações anteriores ao primeiro contato. Quanto mais as
tivermos, melhor. Elas podem revelar, inclusive, que o que parece uma
comunidade, reunida em torno de necessidades e objetivos comuns, na verdade não
o é. Neste caso, é melhor partir para outra. No entanto, não podemos converter
tais informações em preconceitos. No dia a dia é que a verdade dos fatos, as
possibilidades do despertar e do avançar da
consciência e da organização de classe se revelam. Aliás, a própria militância,
igualmente com suas contradições, depende deste convívio para forjar sua
consciência e preparo.
Boa parte das práticas das
lideranças comunitárias, que hoje apontamos como desvios, não será superada por
intermédio de conselhos ou formação. Como disse, há um contexto e, enquanto uma
alternativa real não for construída, as condições que encalacram e levam à tal
prática seguirão seu fluxo. Donde subentende que a pregação da revolução começa
levando em conta as necessidades mais imediatas da classe.
No mar de lama das dificuldades, a
pessoa se agarra ao que aparece para sobreviver, ainda que a boia “salvadora”
seja a própria boca do esgoto de onde a lama jorra. Assim, “ao invés de
condenarmos a escuridão, acendamos uma luz”.
O primeiro e mais fundamental raio
de luz é se aproximar, entrar em contato, conviver. Como se diz que não há
espaços vazios na política, a ausência de Trabalho de Base na perspectiva da
construção do Poder Popular facilita a propagação das trevas da ideologia da
dominação.
O contato com a liderança deve se
tornar contato com a comunidade, Trabalho de Base. Começar por acolher e
cultivar os valores comunitários já existentes é uma boa dica. Ao
fortalecê-los, a partir do testemunho, enfraquecem-se os desvalores, o
individualismo, a indiferença... O zelo e o empenho militante farão com que a
comunidade o leve a sério em suas análises e proposições. Nesta interação, se
processa um mútuo aprendizado, uma mútua conversão, e também depuração.
Nos meus anos de Trabalho de Base, me
deparei com algumas falsas lideranças, picaretas “incorrigíveis”, traidores da própria classe. No entanto, posso falar
com absoluta tranquilidade, que a imensa maioria das lideranças que encontrei são
pessoas honradas, muitas tendo que se virar em meio a profundos escombros
produzidos pelo sistema capitalista, devorador de carne trabalhadora. O
trabalho com esta companheirada nos ensina a sermos militantes melhores, a não
julgarmos, a darmos importância a questões aparentemente miúdas, mas carregadas
de significados vitais.
Encontramos muita humanidade em meio às
contradições provocadas por uma sociedade incorrigível, que precisa ser
superada, mesmo que contra a vontade de uns, para o bem de todes.
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