segunda-feira, 20 de junho de 2022

UNIVERSIDADE LUTA

 


Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

O estudo ou, como costumamos chamar, a formação, é um dos principais ingredientes do Trabalho de Base na construção do Poder Popular. É fundamentalmente o processo reflexivo de lutar sabendo o porquê se luta e onde se precisa chegar para sanar os problemas em sua raiz. É substancialmente a interação militante entre a história geral – apreendida em livros, filmes, conversas... – e a história experimentada pelo povo.

       Quando fui apresentado a Karl Marx fiquei perplexo tal e qual um Saulo numa estrada de Damasco. “Caramba, todo mundo precisa saber disso!”, pensei. “E se esta teoria vem mesmo da realidade, como dizem, ninguém melhor do que um trabalhador explorado para compreendê-la.” Atracado a este desafio, fomos ao Trabalho de Base.

            Era por volta do ano de 2009. Combinamos uma formação com a Comunidade de Resistência Terra Esperança, em Aracati-CE, duas a três horas de duração, numa manhã de domingo. Iríamos estudar a tal da “mais-valia”, o produto não entregue ao trabalhador por seu trabalho e que, portanto, enrica o capitalista.

            Na Terra Esperança moravam aproximadamente 15 famílias. Entre os adultos e adultas, apenas uma pessoa sabia ler em papel, ainda assim com bastante dificuldade. Por outro lado, a comunidade era reconhecida e disparadamente a mais organizada das comunidades dos seis municípios que atuávamos. A gestão da terra era feita conjuntamente pelas famílias através de um planejamento anual e de reuniões de ajustes semanais. A produção de alimentos era quase toda coletiva. Mesmo com parte da terra individualizada, as famílias se organizavam para trabalhar juntas no pedaço de cada uma.

            Coincidentemente, na semana marcada da formação apareceu um seminário para apresentar na faculdade de filosofia, como estudante que eu era. Eu teria também em torno de duas horas, tema livre e – advinha? – escolhi “mais-valia”.

           Utilizei o mesmo método para os dois locais: exposição, perguntas, interação, desenho no quadro e uma dinâmica ilustrativa. Só diferia ambiente e vocabulário. Ao final, indagava, do ponto de vista do que havíamos estudado, “o que é igualdade?”.

Na faculdade, respondeu um colega, um dos que mais liam da turma:

            “Igualdade é impossível, porque ninguém é cópia de ninguém.”    

Na Terra Esperança, as famílias se calaram, talvez por timidez. Porém, como a formação já entrava no sagrado horário de almoço camponês, Paulo Sérgio, mais conhecido como “Boim”, rompeu o silêncio e disse:

            “Igualdade é como aqui. O mais rico é o mais pobre.”

            “Como assim, Boim? Não entendi.”

            “Se você quiser saber quem é o mais rico da comunidade, pode ser qualquer pessoa, inclusive a mais pobre. Aqui somos todos iguais: o mais rico é o mais pobre.”

            A ideologia dominante está em todos os lugares, na academia, no meio popular, na fila do pão, em mim, em você. No entanto, a participação na construção do Poder Popular, por mais indireta que seja, ressignifica saberes e faz brotar um conhecimento compromissado e cheio de sentido. O cego passa a enxergar, o acomodado a se movimentar. Funciona como uma universidade, onde aprendemos uns com os outros a ler a realidade e a escrever a história da vida.

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