Thales Emmanuel, militante da Organização Popular –
OPA.
O estudo ou, como costumamos chamar, a
formação, é um dos principais ingredientes do Trabalho de Base na construção do
Poder Popular. É fundamentalmente o processo reflexivo de lutar sabendo o porquê
se luta e onde se precisa chegar para sanar os problemas em sua raiz. É
substancialmente a interação militante entre a história geral – apreendida em
livros, filmes, conversas... – e a história experimentada pelo povo.
Quando
fui apresentado a Karl Marx fiquei perplexo tal e qual um Saulo numa estrada de
Damasco. “Caramba, todo mundo precisa saber disso!”, pensei. “E se esta teoria
vem mesmo da realidade, como dizem, ninguém melhor do que um trabalhador
explorado para compreendê-la.” Atracado a este desafio, fomos ao Trabalho de
Base.
Era
por volta do ano de 2009. Combinamos uma formação com a Comunidade de
Resistência Terra Esperança, em Aracati-CE, duas a três horas de duração, numa
manhã de domingo. Iríamos estudar a tal da “mais-valia”, o produto não entregue
ao trabalhador por seu trabalho e que, portanto, enrica o capitalista.
Na
Terra Esperança moravam aproximadamente 15 famílias. Entre os adultos e
adultas, apenas uma pessoa sabia ler em papel, ainda assim com bastante
dificuldade. Por outro lado, a comunidade era reconhecida e disparadamente a
mais organizada das comunidades dos seis municípios que atuávamos. A gestão da
terra era feita conjuntamente pelas famílias através de um planejamento anual e
de reuniões de ajustes semanais. A produção de alimentos era quase toda
coletiva. Mesmo com parte da terra individualizada, as famílias se organizavam
para trabalhar juntas no pedaço de cada uma.
Coincidentemente,
na semana marcada da formação apareceu um seminário para apresentar na
faculdade de filosofia, como estudante que eu era. Eu teria também em torno de
duas horas, tema livre e – advinha? – escolhi “mais-valia”.
Utilizei
o mesmo método para os dois locais: exposição, perguntas, interação, desenho no
quadro e uma dinâmica ilustrativa. Só diferia ambiente e vocabulário. Ao final,
indagava, do ponto de vista do que havíamos estudado, “o que é igualdade?”.
Na faculdade, respondeu um colega, um dos
que mais liam da turma:
“Igualdade
é impossível, porque ninguém é cópia de ninguém.”
Na Terra Esperança, as famílias se calaram,
talvez por timidez. Porém, como a formação já entrava no sagrado horário de
almoço camponês, Paulo Sérgio, mais conhecido como “Boim”, rompeu o silêncio e
disse:
“Igualdade
é como aqui. O mais rico é o mais pobre.”
“Como
assim, Boim? Não entendi.”
“Se
você quiser saber quem é o mais rico da comunidade, pode ser qualquer pessoa,
inclusive a mais pobre. Aqui somos todos iguais: o mais rico é o mais pobre.”
A
ideologia dominante está em todos os lugares, na academia, no meio popular, na
fila do pão, em mim, em você. No entanto, a participação na construção do Poder
Popular, por mais indireta que seja, ressignifica saberes e faz brotar um
conhecimento compromissado e cheio de sentido. O cego passa a enxergar, o
acomodado a se movimentar. Funciona como uma universidade, onde aprendemos uns
com os outros a ler a realidade e a escrever a história da vida.
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