segunda-feira, 27 de junho de 2022

TRABALHO DE BASE E AGITAÇÃO E PROPAGANDA



 Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

“Agitação e propaganda” é um termo utilizado por organizações para designar o trabalho de transmissão de ideias e mensagens políticas. Um discurso na fila de um banco, um cartaz “Fora Bolsonaro!” colado num poste, um panfleto entregue nos corredores de um mercado, uma reunião de formação com a juventude em uma escola, são alguns exemplos.

A diferença da agitprop pura e simples para o Trabalho de Base é que, no primeiro caso, o povo mais recebe; no segundo, o povo é provocado a construir junto.

Pouco antes da pandemia do novo coronavírus, iniciamos um trabalho de agitação e propaganda com o jornal O Poder Popular nas ruas de Crateús-CE. A venda por R$ 1,00 nos era necessária para a reprodução de mais exemplares, mas seu significado principal tinha teor pedagógico. Todo mundo possui um real para dar num jornal que desperte seu interesse. O pagamento representa uma espécie de compromisso mínimo com a leitura. Quando havia curiosidade de sobra e dinheiro de nada, entregávamos o material gratuitamente.

Como militantes, entendemos o jornal como um mote, um instrumento para chegarmos até os caminhantes. Por esse motivo, ainda que de forma mais ou menos ligeira, buscávamos uma abordagem conversada, onde explicávamos a origem e importância do impresso, as principais matérias e escutávamos o que tinham a dizer; enfim, quando possível, realizávamos pequenas reuniões de formação à cada aproximação. O jornal serviria de aprofundamento, mas as ideias fundamentais já apresentávamos na conversa. Sem contar que, além de educar as oiças, o processo de escuta nos proporciona uma boa noção de como anda o pensamento do povo a respeito de determinados assuntos e suas correspondentes expectativas.

Até aí se tratava de um trabalho exclusivamente de agitprop. A coisa começou a se abrir para a possibilidade de um Trabalho de Base no instante em que a feirante perguntou: “Quando aparecem aqui novamente?”; o balconista da loja de xérox advertiu: “De mês em mês? Olha o compromisso! Não sumam, em!”; e o mototaxista indagou: “Como fazemos para vocês participarem de uma reunião com nossa categoria?” O Trabalho de Base se inicia quando a interação ocorre entre sujeitos ativos, com continuidade e agendas construídas em conjunto. É o que começava a desabrochar a partir da agitprop.

        Em resumo: a transmissão de ideias e mensagens políticas integra o Trabalho de Base, mas nem toda agitprop é Trabalho de Base. O fundamental, no entanto, é construir vínculos. 

sexta-feira, 24 de junho de 2022

A MAMANGAVA

 


Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

            Você já deve ter se encontrado com uma mamangava por aí. É uma abelhona – grande mesmo! – de zumbido forte, geralmente solitária, que vive a pairar entre flores. Muitas pessoas se assustam com sua presença. Talvez desconheçam o bem imenso que gratuitamente ela faz à humanidade. A mamangava é responsável pela polinização de inúmeras espécies de plantas e, consequentemente, por seus frutos.

            O capitalismo tem sido implacável com as abelhas. Grandes desmatamentos, agrotóxicos e os transgênicos ameaçam de extinção várias espécies, entre elas a mamangava. Se você jamais topou com uma mamangava por aí, de certo esse é um dos motivos.

            Na periferia de Crateús, cidade do interior do Ceará, a comunidade Nossa Senhora de Fátima se constrói ecologicamente através do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Irmã Dorothy. Nome dado a um conjunto de práticas coletivas implementadas voluntariamente pela própria comunidade na busca pela plena harmonia entre humanidade e natureza.

            “Esse projeto é feito com muito Trabalho de Base e se inspira principalmente no legado da Irmã Dorothy e nos ensinamentos dos povos indígenas. Ele vai desde a mobilização para a luta contra o agronegócio e o modelo de mineração capitalista, por exemplo, passando pelos quintais ecológicos da comunidade, até à produção e distribuição de mudas na sede de nossa associação”, lembra José Breitner, um dos coordenadores.

            Há mais ou menos dois meses, a comunidade replantou 150 mudas nativas nas margens do córrego que atravessa o bairro. Na noite do mesmo dia, numa reunião, justo no ponto em que se passava o informe do trabalho de reflorestamento realizado, uma mamangava negra entra pela lateral do barracão, dá duas voltas sobre nossas cabeças e parte.

            Tive a sensação que ela veio nos abraçar, partilhar de sua alegria e deixar um pedido singelo: “Polinizai, irmãos e irmãs! Polinizai!”

segunda-feira, 20 de junho de 2022

UNIVERSIDADE LUTA

 


Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

O estudo ou, como costumamos chamar, a formação, é um dos principais ingredientes do Trabalho de Base na construção do Poder Popular. É fundamentalmente o processo reflexivo de lutar sabendo o porquê se luta e onde se precisa chegar para sanar os problemas em sua raiz. É substancialmente a interação militante entre a história geral – apreendida em livros, filmes, conversas... – e a história experimentada pelo povo.

       Quando fui apresentado a Karl Marx fiquei perplexo tal e qual um Saulo numa estrada de Damasco. “Caramba, todo mundo precisa saber disso!”, pensei. “E se esta teoria vem mesmo da realidade, como dizem, ninguém melhor do que um trabalhador explorado para compreendê-la.” Atracado a este desafio, fomos ao Trabalho de Base.

            Era por volta do ano de 2009. Combinamos uma formação com a Comunidade de Resistência Terra Esperança, em Aracati-CE, duas a três horas de duração, numa manhã de domingo. Iríamos estudar a tal da “mais-valia”, o produto não entregue ao trabalhador por seu trabalho e que, portanto, enrica o capitalista.

            Na Terra Esperança moravam aproximadamente 15 famílias. Entre os adultos e adultas, apenas uma pessoa sabia ler em papel, ainda assim com bastante dificuldade. Por outro lado, a comunidade era reconhecida e disparadamente a mais organizada das comunidades dos seis municípios que atuávamos. A gestão da terra era feita conjuntamente pelas famílias através de um planejamento anual e de reuniões de ajustes semanais. A produção de alimentos era quase toda coletiva. Mesmo com parte da terra individualizada, as famílias se organizavam para trabalhar juntas no pedaço de cada uma.

            Coincidentemente, na semana marcada da formação apareceu um seminário para apresentar na faculdade de filosofia, como estudante que eu era. Eu teria também em torno de duas horas, tema livre e – advinha? – escolhi “mais-valia”.

           Utilizei o mesmo método para os dois locais: exposição, perguntas, interação, desenho no quadro e uma dinâmica ilustrativa. Só diferia ambiente e vocabulário. Ao final, indagava, do ponto de vista do que havíamos estudado, “o que é igualdade?”.

Na faculdade, respondeu um colega, um dos que mais liam da turma:

            “Igualdade é impossível, porque ninguém é cópia de ninguém.”    

Na Terra Esperança, as famílias se calaram, talvez por timidez. Porém, como a formação já entrava no sagrado horário de almoço camponês, Paulo Sérgio, mais conhecido como “Boim”, rompeu o silêncio e disse:

            “Igualdade é como aqui. O mais rico é o mais pobre.”

            “Como assim, Boim? Não entendi.”

            “Se você quiser saber quem é o mais rico da comunidade, pode ser qualquer pessoa, inclusive a mais pobre. Aqui somos todos iguais: o mais rico é o mais pobre.”

            A ideologia dominante está em todos os lugares, na academia, no meio popular, na fila do pão, em mim, em você. No entanto, a participação na construção do Poder Popular, por mais indireta que seja, ressignifica saberes e faz brotar um conhecimento compromissado e cheio de sentido. O cego passa a enxergar, o acomodado a se movimentar. Funciona como uma universidade, onde aprendemos uns com os outros a ler a realidade e a escrever a história da vida.

sexta-feira, 17 de junho de 2022

A RESERVA NO TANQUE, O COMBUSTÍVEL E OS POSTOS DE ABASTECIMENTO



 Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

            Um companheiro nosso foi atuar em outra região. Novo local, novas pessoas, novos desafios. Foi muito bem acolhido pelas comunidades e de pronto se jogou no Trabalho de Base. Quando estive lá, o encontrei eufórico. Seu olhar tinha o brilho do sol e encadeava quando se chegava mais perto. Suas palavras, ora atropeladas, ora ofegantes de agitação, refletiam seu estado de ânimo. Quatro meses desde a mudança e tudo andava maravilhosamente bem.

            Ao regressar, conversei com Jacinta Sousa, camarada de militância, e contei o que vi:

“Ele está bem. Muito empolgado. Bastantes coisas boas acontecendo por lá.”

Ela baixou a vista e silenciou reflexiva.

“O que foi? Não gostou da notícia? Que mal há na empolgação do companheiro?”

“A militância deve ser animada mesmo, mas tem que deixar uma reserva de motivação guardada, porque quando as dificuldades chegam, ela precisa ter de onde puxar a energia para enfrentar os problemas”, explicou.

Dito e feito! A euforia passou, os problemas chegaram e o tanque secou rapidamente. O companheiro não aguentou e saiu da região.

            A missão de construir o Poder Popular é como um carro numa longa estrada. O veículo se encontra totalmente imerso na rodovia, no ambiente que atravessa, assim como a militância deve estar plenamente entregue para a luta. Guardar reserva de animação não é o mesmo que se doar por fatias. Assim como no automóvel, a reserva nos serve de alerta, indica que precisamos de reabastecimento. Sem contar que toda euforia é meteórica, combustível adulterado.

            Por isso nossa provisão vem da mística, do ânimo. Nossos postos de abastecimento se encontram distribuídos infinitamente ao longo da estrada. A leitura de uma biografia, um passeio, um retiro, um abraço numa árvore, uma conversa com os mais velhos, escutar atentamente o que diz uma criança, o acalento numa amizade sincera, a desativação do zap por um período, parar na esquina para apreciar o polinizante vou de uma mamangava ameaçada de extinção, uma conversa com Deus, uma gira, um torem, um carinho de mãe, testemunhar um gesto espontâneo de amor ao próximo, uma luta, se colocar numa situação de injustiça social, o balançar de uma rede num final de tarde, uma canção, um poema, uma respiração sem pressa de acabar; enfim, fontes infindas de alimento, tão eternas quanto eterna é a estrada da vida.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

TRABALHO DE BASE E CINE PODER POPULAR

 


Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

            Quando a OPA ainda surgia no município de Aracati-CE, incorporamos a arte como elemento do Trabalho de Base. Rodávamos as comunidades com filmes de teor crítico. Logo percebemos que a contribuição do cinema poderia ir além do conteúdo. Isto porque nos identificamos enquanto militantes, e não como passadores de filmes. Sendo assim, deveríamos escavacar todo o potencial construtivo das ferramentas à nossa disposição.

            O primeiro passo geralmente era apresentar a proposta à comunidade. Aceita, vamos agora dividir as tarefas: quem prepara o local, quem faz a pipoca, quem traz o suco ou o refrigerante, quem fica responsável pela divulgação, e por aí vai. Das reuniões saíamos com as temáticas mais necessárias à referida comunidade. A partir daí, alguém escolhia o filme, procurando sempre uma linguagem acessível.

            O envolvimento da companheirada na preparação melhorava as relações comunitárias. “Me empresta uma panela para fazer as pipocas?” De repente, se reconhecia o vizinho como um cara legal e problemas miúdos eram sanados sem se perceber. As vezes, a comunidade enfrentava sérias dificuldades de participação e a construção do cinema acabava se tornando um respiro, um pontapé inicial na retomada organizativa.

            “Agora precisamos de algo para abrir a noite. Ir direto ao cine é seco demais”, refletimos. Surgiu a ideia de iniciar com um teatro, um teatro do oprimido, aquele em que não se separa plateia de palco.

            A encenação refletia de forma divertida e interativa o monopólio da mídia burguesa e o porquê do nome “Cine Poder Popular”. “O que vamos assistir aqui não passa ou só raramente se vê na Globo. ‘Popular’ porque é nossa visão da realidade e o ‘Poder’ é porque precisamos transformar esta realidade. Não somente assistir”.

            Um projetor, um lençol branco e a vontade de construir era o que precisávamos. O retorno? Despertar e avanço na consciência de classe, melhora das relações comunitárias, superação natural de problemas, animação, fortalecimento da organização, cultura, maior sensibilidade frente às injustiças e às belezas da vida, pessoas se reconhecendo como portadoras de valiosos conhecimentos etc etc.

            O único “problema” era que, como o povo gostava do filme, mas adorava o teatro, a partir de certo momento não sabíamos mais se se tratava de um filme, com uma introdução encenada, ou se um teatro, encerrado com um filme.

sexta-feira, 10 de junho de 2022

CANTO DE ACAUÃ

 


Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

            Acauã é conhecida no sertão como ave de canto agorento. “Quando Acauã canta, é trazendo coisa ruim”, diz-se. Apedrejado, afugentado, incompreendido, Acauã é, na verdade, um alerta para dificuldades que virão. Aviso sóbrio para que nos preparemos. Isso porque ele sente o que ainda não sentimos, enxerga o que não enxergamos. Enquanto estamos no planeta terra, Acauã já está em Plutão.

            Acauã é parte da caatinga, bioma que, quando coberta pelo lençol de veludo da chuva, logo muda de tom. O que era cinza se esverdeia. Do chão duro brotam desavergonhadas plantas novas. Estratégia da floresta: manter viva a vida, ainda que aparentemente morta, porque na hora certa ela se revelará em seu mais potente esplendor.

            Mais um projeto do capital invade o Quilombo do Cumbe, no município de Aracati, litoral leste do Ceará. Mais uma frota de caravelas, mais um “descobrimento”... Na audiência pública que convocam para apresentar à comunidade os incontáveis benefícios do desenvolvimento recém-chegado, algumas vozes se erguem contrárias: “É tudo mentira!” São reconhecidas lideranças locais, respeitadas, mas, naquele momento, são vaiadas. Vaiadas pela própria comunidade.  “Deixa o homem falar! Ele tá dizendo que vai trazer progresso e emprego pra gente.” A audiência termina, a empresa vence, se instala.

Dói profundo na alma. A vontade de desistir corrói as tripas, mas os quatro gatos pingados rejeitados seguem com seus cantos de Acauã.

Aos poucos, o projeto empresarial se mostra tal como ele é: aos ricos, o suprassumo do lucro; aos trabalhadores e trabalhadoras, aos quilombolas, o bagaço da enganação e da exploração, a destruição de seu lar. A comunidade é triturada. O sofrimento se alastra. E agora, a quem recorrer? Silenciado o volume inicial da euforia, em meio à completa desolação, ouve-se um canto: Acauã, é você? Acauã? ... Sim, Acauã não se foi. Sempre presente Acauã!

“Vamos fechar a estrada e paralisar a obra!”, propõem as lideranças não rendidas.

A comunidade, convencida pela difícil realidade, agora é comunhão total. A chuva reaparece e o solo da luta se colore! A estrada é “rolada”, a obra paralisada! O alvo daí em diante é o inimigo, não os irmãos e irmãs. O trator da mentira não tritura mais...

A resistência dos bravos e bravas militantes, o persistente cântico profético dos Acauãs solitários...  Quando a chuva novamente banhar a terra seca, que encontre vivas e combativas sementes de libertação.

quinta-feira, 9 de junho de 2022

PODER POPULAR: O QUE É?



Amélia Nunes, militante da Organização Popular - OPA.

 

 

 Todas e todos lutamos pelo Poder Popular. Mas, o que é, afinal, esse poder? Quem o exerce? E em que sentido pode ser exercido? 

Vamos, então, pensar junta/os. 

 

A nossa Constituição de 1988, aquela a que chamam de Constituição Cidadã, diz que “todo o Poder emana do Povo e em seu nome será exercido”. O povo somos todos nós! Mas se somos todos nós, para que precisamos de um Poder Popular, se a constituição já o assegura? Bom, aqui já encontramos o primeiro problema. Se todos somos povo, então porque uns moram em mansões e outros vivem em casebres ou na rua? Porque uns comem quatro fartas refeições e outros passam fome? Alguma coisa não bate nesta conta. Vamos ver, então, onde está o problema.  

 

Se toda/os somos povo, nesse caso o banqueiro é povo tanto quanto o mendigo, o pedreiro é povo tanto quanto o empresário. Verdade!  Contudo, quem é que pode mais? Quando o banqueiro bate na porta do governador ou do prefeito pedindo polícia para a frente do seu banco porque a calçada encheu de mendigos; quando o mendigo bate na porta das mesmas autoridades pedindo emprego ou casa para morar, as autoridades recebem as petições do mesmo jeito? Todos sabemos que no caso dos banqueiros, elas atendem rapidamente, de modo que os mendigos nem chegam na porta das autoridades. 

Percebemos que se quem manda é o povo, o povo não é todo igual; uns podem mais e outros podem menos ou não podem nada. Os governos não governam para todo o povo, governam para a parte do povo que pode mais, governam pata a parte que chamamos de burguesia. E foi essa burguesia, mais ou menos rica, mas principalmente a muito rica que inventou um sistema em que teoricamente todos têm poder, e chamam a isso democracia, mas escondem que quem manda é só a burguesia, pelo poder do dinheiro e não pelo poder das leis. Isso se chama capitalismo. 

 

O capitalismo e a burguesia falando em nome do povo, criaram a base do pacto social em curso no Brasil. Segundo eles, que põem o sistema em prática, o capitalismo interessaria a todos, patrões e trabalhadores, e o crescimento da economia seria o caminho para enfrentar nossos problemas comuns. Vimos que não! 

Então, e nós? O que faremos?  

 

Podemos construir o Poder Popular, um poder que obrigue o poder dos poderosos a reconhecer os nossos direitos como seres humanos e cidadãs e cidadãos. E quais são esses direitos? São o direito à moradia digna, à alimentação, ao transporte, à educação, à cultura, e ao lazer.  

 

Para fazermos valer esses direitos que nos reconhecem como sociedade, precisamos nos organizar e lutar por eles. Na organização e na luta nós nos transformamos em poder! Se eles não fizerem, nós faremos. Onde houver um terreno desocupado, nós ocuparemos e construiremos nossas casas, depois um bairro. Em Teresina temos vários bairros que começaram assim, como o Itararé, o Dirceu, o São João, parte do Mocambinho, entre outros. Só que escondem da gente a nossa própria história com a intenção de nos desanimar. 

 

Havendo fome na ocupação, se não para todos, pelo menos para alguns, organizaremos uma cozinha comunitária e faremos a partilha do cozinhado. 

Porque não é mais possível pensarmos que podemos enfrentar as profundas desigualdades existentes, a barbárie em que se transformou a sociedade do capital e da mercadoria, com o genocídio dos pobres, dos negros, das populações indígenas, aplicando políticas que só visam ampliar o acesso aos bens materiais para aqueles que têm o poder do dinheiro. Essa prática gera o simples crescimento econômico capitalista, o que só faz aumentar a destruição da natureza e acaba concentrando ainda mais a riqueza na forma de lucros acumulados privadamente.  

 

Nessa sociedade nós seremos sempre a mercadoria. E mercadoria joga-se fora quando não serve mais! 

 

Nós somos gente! Podemos e queremos construir uma sociedade de todos e para todos! 

 

Queremos o Poder Popular!


domingo, 5 de junho de 2022

“NÃO SOMOS COITADOS”

                                       

 Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

Quem teve a oportunidade de conhecer de perto a Ocupação Carlos Marighella, em Fortaleza-CE, nascida da necessidade, no auge da pandemia, sentiu a bravura das famílias lhe penetrar e contagiar o espírito com um ímpeto de entrega plena à luta e suas consequências.

Foram seis tentativas de despejo nos seis primeiros meses de existência. O exercício do Poder Popular, em múltiplos aspectos, cimentou em todos e todas – comunidade, militância, apoiadores – uma entrega total e verdadeira à conquista dos objetivos traçados. “Se forem nos despejar, podem mandar os oitenta e cinco caixões, porque só saímos de lá mortos”, falou a companheira Márcia ao prefeito da cidade.

A companheira Bolinha, uma das ocupantes, em audiência com secretários dos governos, declarou: “Não somos coitados. Somos gente, e como gente queremos ser tratados”.

Na tarde da véspera da sexta tentativa de despejo, pós-eleições, portanto, mais provável do Estado vir com todo seu aparato repressor, tivemos uma assembleia com as famílias da Marighella. Batemos a real, inclusive sobre o risco de morte, e depois perguntamos à cada pessoa, uma por uma, se queria o aluguel social – ideia da prefeitura – ou se queria resistir. “O que decidirem, estaremos com vocês”, dissemos. As duas primeiras pessoas se pronunciaram pelo aluguel social. Seu Cirino, idoso, que no começo da ocupação constantemente ressaltava que não era bom de briga, que “não aguentava peia” e, portanto, dava a entender que, caso a polícia chegasse, ele não permaneceria, levanta a mão e se inscreve:

“Companheiros, não chegamos até aqui para desistir. Minha opinião é a gente ficar unido até o fim. Dê no que der.”

Márcia olhou para os filhos, que brincavam envolta, e falou:

“Eu refleti muito de ontem para hoje. Nem dormi direito. Pensei nos meus filhos, no risco deles se machucarem, pensei no futuro e no sonho que tenho de dar um lar para eles, uma vida melhor... E minha decisão é que lutemos, minha decisão é pela resistência”, e desabou em lágrimas.



        Após estes dois posicionamentos, todos os demais escolheram resistir, inclusive as duas companheiras que primeiramente haviam optado pelo aluguel social. A partir daí, nos preparamos para tudo. A Marighella chegou a mandar um recado para as forças da repressão:

“Não queremos guerra. Queremos terra. Mas saibam que, se vierem, vai ser meio a meio.”

Ao final, a repressão veio, mas não se efetivou. Conquistamos a terra e os desafios ganharam outras dimensões.

A classe explorada e oprimida, pela condição de exploração e opressão a que é cotidianamente submetida, é necessariamente aguerrida, combativa. Uma exigência à própria sobrevivência. Não deve ser tratada como coitada, incapaz, fraca. Qualquer solidariedade prestada é bom que venha junto com este reconhecimento e valorização: “Somos explorados e oprimidos, não coitados”.

A classe que edifica o mundo, mesmo que ainda não à sua imagem e semelhança, não pode ser uma coitada. Ela é coitadizada, desumanizada pela ideologia dos exploradores e opressores. Nossa missão militante, portanto, não é amansar sua combatividade inata, mas contribuir para canalizá-la para a organização e para a luta, para a identificação do inimigo comum, para avançar, e recuar quando necessário, para a construção da superação do sistema que explora e oprime. E só é possível cumprir esta missão estando junto. À distância, bons conselhos, belos discursos e enfáticas convocatórias virtuais só entulham palavras no rol da cumplicidade, seja ela ingênua ou dissimulada.

            Viva Marighella!


* Texto originalmente publicado em CEBs do Brasil.

sexta-feira, 3 de junho de 2022

TRABALHO E CONSCIÊNCIAS COLETIVAS

 


                         Thales Emmanuel, militante da Organização Popular (OPA).

 

Os capitalistas, até para se manterem no poder, sendo a ínfima minoria da população, estruturam e estimulam a sociedade na base da competição, da divisão entre os oprimidos e explorados, imensa maioria. Isso provoca nas consciências um sentimento individualista, avesso à coletividade. Assim, não raro, decisões tomadas em assembleias comunitárias são encaradas hostilmente por alguns como ordens determinadas por um tipo diferente de patrão.

O São Francisco, em Icapuí-CE, é um assentamento de Reforma Agrária nascido da luta, da ocupação e do enfrentamento contra as forças do latifúndio. Com a terra conquistada, os interesses se individualizaram a tal ponto de ficar cada um por si. Foi a única comunidade que vi que nem na cerca do perímetro, a que circunda a totalidade do terreno, se trabalhava coletivamente. Nas reuniões e nas lutas, cada família se movimentava por preocupações puramente particulares.

As minoritárias pessoas com ativa consciência coletiva tinham suas propostas constantemente ridicularizadas e as decisões refletiam sempre o império do privado. Até que conquistamos um projeto de criação de animais de pequeno porte que só podia ser aplicado coletivamente. Depois de muito debate, quatro famílias toparam geri-lo.

Após este feito, interessante como progressivamente o interesse coletivo foi ocupando o tempo das reuniões. As reflexões eram respaldadas agora por uma prática coletiva em pleno exercício. Demos uma atenção especial ao projeto. Não podia fracassar. Seu êxito, junto ao processo de formação no Trabalho de Base, fez surgirem novas práticas coletivas e o São Francisco por um tempo se tornou referência respeitada de organização.

Nos acampamentos, a construção das barracas, da cozinha, do local das reuniões, a preparação das atividades, todas podem ser ações coletivas que mexem positivamente com as consciências. Na contramão da ordem social do capital, recolocam o indivíduo em harmonia com seus iguais.

            Vale ressaltar que não é o trabalho pelo trabalho. Não somos peças de um sistema mecânico, que basta apertar o botão para se acender a luz da consciência. É o trabalho coletivo associado à presença ativa militante. A tal da práxis, teoria e prática juntas. Consciências que transformam estruturas; estruturas que transformam consciências.

DEFENDER A CASA COMUM: CONSTRUIR A RETOMADA ANCESTRAL.

  Robson de Sousa Moraes (Geógrafo, Professor da UEG) robson.moraes@ueg.br     A Terra é nossa Casa Comum, um lar compartilhado ...