Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.
Quem teve a oportunidade de conhecer de
perto a Ocupação Carlos Marighella, em Fortaleza-CE, nascida da necessidade, no
auge da pandemia, sentiu a bravura das famílias lhe penetrar e contagiar o
espírito com um ímpeto de entrega plena à luta e suas consequências.
Foram seis tentativas de despejo nos
seis primeiros meses de existência. O exercício do Poder Popular, em múltiplos
aspectos, cimentou em todos e todas – comunidade, militância, apoiadores – uma
entrega total e verdadeira à conquista dos objetivos traçados. “Se forem nos
despejar, podem mandar os oitenta e cinco caixões, porque só saímos de lá
mortos”, falou a companheira Márcia ao prefeito da cidade.
A companheira Bolinha, uma das
ocupantes, em audiência com secretários dos governos, declarou: “Não somos
coitados. Somos gente, e como gente queremos ser tratados”.
Na tarde da véspera da sexta tentativa
de despejo, pós-eleições, portanto, mais provável do Estado vir com todo seu
aparato repressor, tivemos uma assembleia com as famílias da Marighella. Batemos
a real, inclusive sobre o risco de morte, e depois perguntamos à cada pessoa,
uma por uma, se queria o aluguel social – ideia da prefeitura – ou se queria resistir.
“O que decidirem, estaremos com vocês”, dissemos. As duas primeiras pessoas se
pronunciaram pelo aluguel social. Seu Cirino, idoso, que no começo da ocupação
constantemente ressaltava que não era bom de briga, que “não aguentava peia” e,
portanto, dava a entender que, caso a polícia chegasse, ele não permaneceria,
levanta a mão e se inscreve:
“Companheiros, não chegamos até aqui
para desistir. Minha opinião é a gente ficar unido até o fim. Dê no que der.”
Márcia olhou para os filhos, que
brincavam envolta, e falou:
“Eu refleti muito de ontem para hoje. Nem
dormi direito. Pensei nos meus filhos, no risco deles se machucarem, pensei no
futuro e no sonho que tenho de dar um lar para eles, uma vida melhor... E minha
decisão é que lutemos, minha decisão é pela resistência”, e desabou em
lágrimas.
“Não queremos guerra. Queremos terra.
Mas saibam que, se vierem, vai ser meio a meio.”
Ao final, a repressão veio, mas não se
efetivou. Conquistamos a terra e os desafios ganharam outras dimensões.
A classe explorada e oprimida, pela
condição de exploração e opressão a que é cotidianamente submetida, é
necessariamente aguerrida, combativa. Uma exigência à própria sobrevivência.
Não deve ser tratada como coitada, incapaz, fraca. Qualquer solidariedade
prestada é bom que venha junto com este reconhecimento e valorização: “Somos
explorados e oprimidos, não coitados”.
A classe que edifica o mundo, mesmo que
ainda não à sua imagem e semelhança, não pode ser uma coitada. Ela é
coitadizada, desumanizada pela ideologia dos exploradores e opressores. Nossa
missão militante, portanto, não é amansar sua combatividade inata, mas
contribuir para canalizá-la para a organização e para a luta, para a
identificação do inimigo comum, para avançar, e recuar quando necessário, para
a construção da superação do sistema que explora e oprime. E só é possível
cumprir esta missão estando junto. À distância, bons conselhos, belos discursos
e enfáticas convocatórias virtuais só entulham palavras no rol da cumplicidade,
seja ela ingênua ou dissimulada.
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