Por Equipe de Comunicação da OPA – Organização Popular
As
comunidades atingidas pela Barragem Fronteiras, em Crateús-CE, parecem ter
perdido a última gota de paciência que lhes restava. E olha que há tempos foram
mergulhadas num oceano de sofrimentos! Isso porque a obra continua a pleno
vapor, com previsão de conclusão para meados de 2024, enquanto direitos
fundamentais das famílias atingidas seguem represados.
“A angústia é enorme. Estamos há muitos anos assim. Dois
amigos meus entraram numa depressão profunda quando perceberam que as promessas
eram só para nos enganar. Eu dizia para eles que íamos sair dessa, que Deus não
nos abandonaria. Mas eles não aguentaram e morreram. Agora fizemos esta carta
contando nossa história. Não somos peixe, viu?! Vamos lutar!”, relatou
seu Francisco de Assis, de 74 anos de idade, agricultor e morador de uma das
comunidades atingidas.
A referida carta conta um pouco quem
são as famílias atingidas:
“Somos
mais de 200 comunidades tradicionais localizadas em Crateús, somos milhares de
famílias. Em nossas terras nasceram e se criaram gerações e mais gerações de
trabalhadores, gente simples do campo. Sobrevivemos ao longo das décadas graças
ao que a natureza nos dá. Graças à agricultura, alimentamos também as pessoas
que moram na cidade.”
E segue:
“...Nunca ninguém nos disse claramente
o que vai acontecer com nossas vidas depois da barragem construída. A parede já
está sendo erguida e a nós, as pessoas primeiramente atingidas, nos são negados
os direitos mais básicos. (...) Para onde irão
nossas famílias? E em que condições? O que existe muito aqui, antes mesmo que o
primeiro tijolo fosse assentado, é enganação, são promessas não cumpridas.”
No final,
mais uma grave denúncia:
“Para completar, ficamos sabendo que
esta água não é para a gente necessitada. Vem para o agronegócio, aquelas
empresas que devoram e envenenam tudo que encontram pela frente, e,
principalmente, para servir de suporte hídrico para grandes usinas mineradoras que pretendem se
instalar na região. A de Santa Quitéria é uma delas. Obras feitas com dinheiro
público, dinheiro nosso, mas a serviço de um desenvolvimento que só nos adoece
e nos mata (mulheres, homens, crianças, jovens, adultos, idosos). E isso tudo
para quê? Para enriquecer um tantinho de pessoas já muito ricas. Eles não se
preocupam com a vida. Eles só enxergam o lucro!”
A Carta, elaborada
e debatida em assembleias nas comunidades atingidas, chegará à cidade de
Crateús durante este mês de setembro. Será apresentada em universidades,
escolas, comunidades, igrejas.
“Todos
precisam saber da verdade. Não somos contra a água, mas ela tem que estar em
função da vida, do bem-estar da população, e não da cobiça de alguns. Nossas
famílias são as primeiras atingidas, mas, se não nos dermos as mãos agora e
lutarmos juntos, futuramente não seremos as únicas com problemas. As pessoas da
cidade estão no mesmo barco que a gente”, declarou Maria Helen, atingida e
membra da coordenação local da Organização Popular – OPA.
A construção da Barragem Fronteiras
é gerida com recursos dos governos federal e estadual. As comunidades
atingidas, juntas a outras tantas espalhadas pelo estado do Ceará, que passam
por tribulações semelhantes, há muito que lutam por uma audiência com o comando
destas esferas públicas. No caso de Crateús, o governo federal enviou
funcionários sem poder de decisão para entreter as comunidades; e o estadual,
este prometeu receber uma comissão da OPA, com a coordenação de todas as
comunidades, para encaminhar a pauta de reivindicações até o mês de maio. Já
estamos em setembro e, em total desrespeito à vida de milhares de famílias,
nenhum retorno foi dado.
Leia aqui
a Carta na íntegra
CARTA ABERTA DAS COMUNIDADES
ATINGIDAS PELA BARRAGEM DE FRONTEIRAS AO POVO DO CEARÁ
Dirigimos
esta carte principalmente ao povo do Ceará, para que todos tomem conhecimento
do que há décadas vem acontecendo conosco e que, por se encontrar de alguma
forma em situação semelhante ou por sensibilidade, possamos nos dar as mãos e
lutarmos juntos contra o mal que nos atinge.
Nós
somos mais de 200 comunidades tradicionais localizadas em Crateús, somos milhares
de famílias. Em nossas terras nasceram e se criaram gerações e mais gerações de
trabalhadores, gente simples do campo. Sobrevivemos ao longo das décadas graças
ao que a natureza nos dá. Graças à agricultura, alimentamos também as pessoas
que moram na cidade.
Somos
famílias ribeirinhas. O rio Poty passa pertinho de nós, bem antes de desaguar
no Piauí. Em nossas comunidades, como uma grande família, estabelecemos laços
de amizade e de solidariedade. Aqui nos conhecemos todos pelo nome. Ou melhor,
pelo apelido. Cada canto, cada pedaço de chão carrega importantes histórias de nossas
vidas.
Crateús
é tida como região de pouca água. Por esse motivo, é de longa data que se fala
na construção de uma grande barragem que acabaria com o problema da seca. Ao
menos é o que pregavam, e continuam pregando, os doutores do poder. O que não
sabíamos era que tais promessas vinham carregadas de mentiras e que por elas
pagaríamos um alto preço.
A
Barragem de Fronteiras chegou. Está sendo construída sobre nossas comunidades! Com
crimes!
O
primeiro deles é que ninguém nos perguntou se aprovávamos.
O
segundo é que nunca ninguém nos disse claramente o que vai acontecer com nossas
vidas depois da barragem construída. A parede já está sendo erguida e a nós, as
pessoas primeiramente atingidas, nos são negados os direitos mais básicos.
Os
valores que chamam de “indenização” não cobrem, nem por baixo, aquilo que
precisamos para estabelecer, com a mínima dignidade, nossas vidas em outros
locais. Os reassentamentos não andam e as irregularidades cometidas pelos
órgãos “competentes” inundam nossas comunidades de angústia.
Já
não nos dedicamos com a mesma alegria ao cultivo da terra e à criação de
animais. Não podemos reformar nossas casas e nenhuma obra dos governos chega
por aqui desde que isso tudo começou. Acreditem: até o direito de enterrar
nossos mortos está ameaçado! “De que adianta? Tudo vai ficar debaixo d’água
mesmo”, é o que costumamos ouvir.
A
barragem está sendo erguida e nossos direitos continuam represados! Quando ela
for concluída, para onde irão nossas famílias? E em que condições? O que existe
muito aqui, antes mesmo que o primeiro tijolo fosse assentado, é enganação, são
promessas não cumpridas.
Para
completar, ficamos sabendo que esta água não é para a gente necessitada. Vem
para o agronegócio, aquelas empresas que devoram e envenenam tudo que encontram
pela frente, e, principalmente, para servir de suporte hídrico para grandes usinas mineradoras que pretendem se
instalar na região. A de Santa Quitéria é uma delas. Obras feitas com dinheiro público,
dinheiro nosso, mas a serviço de um desenvolvimento que só nos adoece e nos
mata (mulheres, homens, crianças, jovens, adultos, idosos). E isso tudo para
quê? Para enriquecer um tantinho de pessoas já muito ricas. Eles não se
preocupam com a vida. Eles só enxergam o lucro! Neste sentido, nós, eu e você,
seremos todos e todas impactados!
Exigimos
das autoridades constituídas uma resposta séria e satisfatória. Queremos os
direitos das famílias primeiramente impactadas integralmente assegurados. A
água não precisa ser envenenada, a terra não precisa ser assassinada. Sabemos e
podemos produzir alimentos saudáveis, cultivar a terra sem degradá-la, gerando
trabalho digno, saúde e renda para milhares de famílias. Para isso, é preciso
que se garanta a qualidade da água, redefinindo seu uso prioritariamente para a
população necessitada e para a pequena produção de base familiar-sustentável. Podemos
ser exemplo para o mundo!
Os
dragões são feios e cospem agrotóxico e morte silenciosa, mas não são
indestrutíveis. Eles também têm medo, muito medo! E sabe de quê? De nossa união
e disposição para lutar. Pois será assim, juntos e juntas, que os enfrentaremos
e os derrotaremos.
Venha,
entre em contato, participe você também desta resistência.
São
nossas vidas que estão em jogo. O futuro de dignidade que tanto desejamos não
espera. O futuro é agora!
Crateús, janeiro de 2023.
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