Iniciávamos um Trabalho de Base numa
comunidade Sem Terra em Icapuí-CE. Ao chegar, me dirigi com um dos comunitários
a um grupo de pessoas que batia um papo descontraído à sombra de um frondoso
cajueiro. Havia algumas crianças. Dei um “Bom dia!”, fui apresentado e, num
gesto comum, fiz um carinho na cabeça de uma das meninas, que devia ter uns
seis anos de idade. Para minha surpresa, ela se esquivou, olhou-me nos olhos e,
com uma inesquecível expressão de resistência, falou sem meias palavras: “Seu
cagado!”
Confiança é algo que não nasce num passo
de mágica. Só o tempo e o testemunho são capazes de enraizar profundas relações
de companheirismo entre o povo e sua militância. Demorei um pouco a entender a
reação daquela criança diante de alguém que, segundo sua própria percepção, só
queria ajudar. Para compreendê-la, precisei me perguntar quantos não haviam
chegado antes de mim com palavreado bonito e sorriso nos dentes, e depois se
revelaram verdadeiros lobos traidores. A quantas mentiras, promessas não
cumpridas, humilhações, já sobreviveram a gente mais simples de nosso povo?
Gente é gente e, depois de séculos de
punhaladas pelas costas, não é difícil entender quando os mecanismos de defesa
naturalmente entram em funcionamento, desde a velha e conhecida malandragem,
até à verdade nua e crua contida num “Seu Cagado!”.
Para o bem ou para o mal, por pura
necessidade ou outra razão que desconheço, é interessante perceber que a esperança
sempre dá conta de renovar votos de confiança. Sendo assim, para nosso bem e de
nosso povo, façamos da verdade de uma criança a mais inabalável das
inspirações.
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