Thales Emmanuel,
militante da Organização Popular – OPA.
Militava
há três anos no Movimento Sem Terra, quando fui transferido de região. Num dos
primeiros Trabalhos de Base com os novos companheiros e companheiras, fui com o
camarada Odahi Magalhães, então dirigente local, a uma reunião na escola do
assentamento Aroeira Vilany. A reunião era para toda a comunidade, mas, diante
da baixa participação – somente três pessoas compareceram –, resolvemos
remarcar a atividade para uma semana depois, na casa de uma das famílias, que
ficava na vila dos moradores e assim facilitaria a locomoção. No dia e hora
agendados, estávamos lá, mas a reunião foi novamente adiada, isso porque só
compareceram cinco pessoas, incluindo os donos da casa.
“E agora, Odahi, o que
faremos?” – perguntei, sem conseguir esconder o desapontamento.
“Vamos agendar para
daqui a uma semana. Enquanto isso, passaremos de casa em casa convidando o
pessoal.”
E assim aconteceu, uma
por uma, das 150 casas do assentamento. Chegamos à escola, local espaçoso, que
avaliamos ser o mais apropriado, dado a expectativa pela quantidade de
participantes. Expectativa rapidamente frustrada. Apenas seis pessoas
presentes! Só que desta vez desenrolamos a reunião. Confesso que, da minha
parte, em total desmotivação.
Findada a atividade,
peguei o capacete e, antes de montarmos na moto, comentei meio raivoso:
“Foda, né, Odahi!?
Tanto trabalho pra n...”
O comandante, apelido
carinhoso do camarada, nem me escutou e falou com uma inesperada alegria:
“Você viu só?!”
“Vi o quê? A ausência
do povo?”
“Não! Quer dizer,
também! Mas principalmente o que eles falaram?”
E começou a listar uma
série de coisas positivas que se passara na reunião. Me senti um tanto quanto
decepcionado comigo mesmo. “Como não percebi tudo aquilo?” Conferia o que Odahi
me relatava com a realidade... e não era que era tudo verdade! Três anos de
Movimento Sem Terra, três anos de Trabalho de Base, e somente ali, com aquela
partilha empolgada, entendi pela primeira vez o sentido do “saber escutar o
povo”, princípio bastante lembrado nas formações do MST. Ali me dei conta que até
a ausência quase que generalizada, apesar de todo esforço de mobilização que
fizemos, consistia numa comunicação, numa mensagem para melhor entendermos a
realidade local, as dificuldades vividas, as motivações e desmotivações das
famílias, o estágio de suas e, por tabela, de nossas consciências – por que
não? –. Enfim, uma oportunidade para melhorarmos metodologias e nos tornarmos
militantes mais capacitados.
O povo, a classe
trabalhadora, possui sua cientificidade, e, como toda ciência, sua própria
linguagem. Eu ouvira tudo o que disseram na reunião, mas nada escutei. Meus
ouvidos não estavam preparados para compreender a linguagem cheia de revelações
que emana destes encontros.
O estetoscópio, por
exemplo, é um instrumento utilizado por profissionais da saúde para auscultar
órgãos internos do corpo. “Auscultar” é a palavra técnica usada para a escuta
feita por pessoas que se capacitaram para isso. Se eu, como leigo na área, pego
um aparelho desses e o encosto no peito de alguém, certamente ouvirei as
batidas do coração, mas não entenderei nada do que ele está me dizendo. Assim é
com a luta popular. O Trabalho de Base é uma escola que forma a militância para
saber escutar e entender o povo. Nesta universidade, aula à distância não funciona.
É preciso entrar em contato!
Nenhum comentário:
Postar um comentário