domingo, 23 de junho de 2024

DEFENDER A CASA COMUM: CONSTRUIR A RETOMADA ANCESTRAL.


 

Robson de Sousa Moraes

(Geógrafo, Professor da UEG)

robson.moraes@ueg.br

 

 

A Terra é nossa Casa Comum, um lar compartilhado por todas as formas de vida. Proteger e preservar o equilíbrio ecológico é essencial para garantir um ambiente saudável. Cada ação em defesa da natureza é um passo em direção à harmonia com o planeta. Resgatar e valorizar os conhecimentos e práticas dos nossos antepassados é crucial. Eles nos ensinam formas de viver em equilíbrio com a natureza e a construir comunidades mais fortes e integradas a seus respectivos ecossistemas.

Em um contexto da mundialização do Modo de Produção Capitalista, é crucial lembrar e valorizar as tradições e culturas que moldaram nossa identidade. A Retomada Ancestral surge como uma exigência essencial para resgatar e preservar os conhecimentos e práticas dos nossos antepassados, especialmente dos povos indígenas e de diversas comunidades tradicionais, que possuem uma relação íntima, respeitosa e integrada com a natureza. A Construção da Retomada Ancestral, em defesa da Casa Comum, é parte do amplo movimento de superação da atual crise socioambiental. Olhar para o passado dos povos que habitavam e habitam o território nacional, compreendendo que nestas sociabilidades não capitalistas, estão formas de organização social que podem basilar a chamada “transição agroecológica” para além dos limites da sociedade produtora e consumidora de mercadorias. Ao valorizar nossas raízes, fortalecemos nossas identidades coletiva e promovemos um mundo onde a diversidade cultural é respeitada e preservada.

Não podemos esperar que as mudanças urgentes e necessárias venham daqueles que se enriquecem com o atual estado de degradação socioambiental. As instituições que compõem o sistema capitalista representativo burguês, estão completamente comprometidas com a manutenção de privilégios, reproduzem as desigualdades e a despossessão ampliada da natureza. A verdadeira mudança vem do povo organizado. Quando nos organizamos e agimos em conjunto, temos a capacidade e o Poder de transformar a sociedade e lutar por um mundo mais justo e igualitário. O Poder Popular é a chave para a transformação social. Não podemos esperar por mudanças vindas de cima. A Ação direta é necessária para confrontar injustiças e proteger nosso planeta, combatendo as desigualdades e a concentração de riqueza.

A ação direta envolve a intervenção ativa das pessoas em situações de injustiça, sem a mediação de autoridades ou instituições formais. Pode incluir protestos, ocupações, greves, bloqueios e outras formas de insatisfação que visam confrontar diretamente as variadas fontes de opressão. Faz-se necessário desafiar a passividade, recuperar a iniciativa de combate superando a imobilizante combinação entre táticas e estratégias defensivas. A ação direta quebra esse ciclo, mostrando alternativas concretas de lutas e demostrando objetivamente que justiça socioambiental pode ser conquistada por meio da mobilização ativa. É um lembrete constante de que os direitos e liberdades não são concedidos gratuitamente, mas conquistados através de luta organizada e determinação.

Estamos vivendo uma crise climática sem precedentes. A inação não é uma opção. Precisamos agir agora para mitigar os efeitos devastadores das mudanças climáticas provocadas por uma estrutura econômica e social que visa a obtenção, sem limites, de lucratividade através da exaustão, morte e extermínio de diversas formas de vida. A organização popular é fundamental para enfrentar os desafios que nos cercam, agregando Trabalhadoras e Trabalhadores (urbanos e rurais), os despossuídos, a juventude de periferia, indígenas e quilombolas, bem como todos e todas que vislumbram a emancipação humana e a existência de uma alternativa de luta capaz de articular a contraofensiva popular em defesa da Casa Comum. Estudar, planejar, organizar e agir coletivamente para construir o mundo que queremos. É hora de uma Revolução Popular, uma mudança radical em como nos relacionamos com o planeta e uns com os outros. Somente através da organização popular poderemos alcançar justiça ambiental e social de forma duradoura e efetiva.

 

 

Cidade de Goyaz, junho de 2024

sexta-feira, 21 de junho de 2024

POR QUE REUNIÃO NA FAVELA É ALGO TÃO PERIGOSO PARA O SISTEMA?

 


Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

        Reza a lenda que, no Ceará, um conhecido megaempresário ordena a seus gerentes: "Se tiver dois ou três trabalhadores conversando, separem-nos o mais rapidamente, porque é motim."

        Na Bíblia, algo parecido é atribuído ao revolucionário de Nazaré, ainda que em sentido totalmente inverso: "Se estiverem dois ou três reunidos em meu nome, eu estarei presente."

        O Manifesto do Partido Comunista, elaborado em meados de 1800 para auxiliar a luta da classe trabalhadora por sua libertação, é concluído com um "Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!"

        É bem famosa também a forma que os invasores-colonizadores utilizaram para guerrear e assaltar os povos nativos do território que depois viria a ser chamado de Brasil: dividir para dominar, jogar oprimido contra oprimido.

        A reunião é o princípio mais básico e poderoso para transformações de realidades, sobretudo quando realizada por pessoas que padecem por problemas comuns, como é o caso da população que mora em favelas no Brasil.

        A arquitetura espremida das comunidades periféricas, com o amontoado de casas coladas umas nas outras, faz com que, de uma maneira bem particular, toda a gente viva em permanente reunião. Se falta água em casa, basta uma fala mais alta do vizinho para saber que lá a água falta também. E se há comunicação que denuncia a negação de direitos, há possibilidades concretas de identificação de suas causas e de organização para resolvê-las. Um grande risco, portanto, para a dominação capitalista, autora da miséria que faz da vida de milhões uma luta contínua pela sobrevivência.

        Daí que, para manterem sua ordem desigual funcionando, os banqueiros e megaempresários, donos reais e não eleitos do poder, recorrem a uma política de violência sem fim contra a classe que se constitui a imensa maioria da população. É preciso impedir a todo custo o exercício da reunião, potencializada pelas próprias e difíceis condições de vida.

        Esses dias assisti a um vídeo em que um jovem negro e empobrecido portando um fuzil denuncia: "Se o mercado de drogas movimenta bilhões por ano, quem ganha com ele? Porque, olhem para mim, eu sou um fodido." O que essa mensagem nos ensina?

        Se o uso de entorpecentes, legais ou não, representa um problema presente em toda a sociedade, ou seja, em todas as classes sociais, por que, ao fecharmos os olhos e imaginarmos alguém viciado ou traficante, o que nos vêm à cabeça é justamente a fotografia de um jovem, magro, negro e favelado? Por que será que, nas mentes de muitos de nós, os bairros periféricos, onde reside a imensa porção das pessoas que constroem este país, da doméstica ao pedreiro, são sinônimos de criminalidade, e não de um merecido e atrasado “obrigado por tudo”?

         A autodeclarada "Política de Combate às Drogas" nada mais é do que uma maneira de justificar para a sociedade o açoite constante da senzala. Ação contínua e planejada para dificultar a prática da reunião entre os oprimidos. Por esse motivo é tão comum escutarmos que, nas favelas, o Estado só chega através da violência policial. "Não chegam os direitos."

        E quem são os policiais? Em sua maioria, pessoas com a mesma origem periférica e marginalizada. Dividir para governar é a estratégia do sistema. Pobre contra pobre, comunidade contra comunidade. O homem preto e favelado que veste a farda da polícia tortura e mata a serviço de quem lucra bilhões com o massacre de sua própria gente. Por esse motivo, os capitalistas não estão nem aí com a morte de policiais. Até porque, pela miséria que se alastra, produzida pela concentração de riqueza em umas poucas mãos, há sempre muitos outros necessitados de sobrevivência dispostos a substituir os falecidos. A sujagem cerebral que recebem do alto comando faz com que o favelado fardado creia que o problema é seu "incorrigível" vizinho, já então observado como uma espécie inferior de pessoa, um não-humano. Condição que, sem que perceba, acaba por atribuir a si mesmo.

        E quem são os jovens que matam jovens? Pessoas encurraladas, com perspectivas de vida e de dignidade futura trancafiadas. A maioria laranjas involuntários do sistema, que se apontam armas e se cospem fogo antes que sobre tempo para que se entendam como herdeiros iguais da mesma trama capital.

        Em Crateús, cidade do interior cearense, perguntaram a uns policiais que palestravam sobre segurança pública o que fazer com o “crime primeiro”. “Há uma grande barragem em fase de conclusão no município. Milhares de famílias estão sendo neste momento expulsas de suas terras, de suas casas, de suas histórias. Para onde elas irão? Para cá, para as periferias desta cidade. E amanhã vamos aplaudir a prisão ou morte de mais uns jovens, quando, na verdade, o crime primeiro, o causador de todos os outros, está sendo cometido agora, à plena luz do dia, em total flagrante! Tá vendo só, policial? O sistema usa vocês, nós, usa todos nós trabalhadores como bucha de canhão.”

        Outro dia, enquanto estabelecia uma conversa informal sobre os problemas sociais sentidos pela maioria da população e suas causas, isso com um rapaz que no passado praticara alguns assaltos, mostrei-o uma frase do poeta Bertolt Brecht: "Qual crime maior: assaltar ou fundar um banco?". No que ele me respondeu: "Se essas ideias de comunismo chegam até nós, o sistema está perdido."

        Boa parte dos setores médios da sociedade têm verdadeiro pânico da favela por duas razões básicas. A primeira é ideológica. A classe dominante cria mecanismos para que este segmento se identifique com o lobo, e não com as ovelhas, rebanho o qual integram. "Classe média", inclusive, é um termo de distinção em relação à "classe trabalhadora", a qual se insere também a população moradora das favelas. Assim, os representantes da classe capitalista são cultuados como símbolos de sucesso e inspiração, enquanto as pessoas que moram em barracos e lutam por moradia, por exemplo, são vistas como perigosa ameaça. A segunda razão pode ser explicada pela fala de uma amiga de um médico, vítima, há uns anos atrás, de latrocínio na Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro: "Meu amigo foi vítima de vítimas."

        É sobre a parcela da classe trabalhadora que teve condições de estudar e exercer funções melhores remuneradas, que o rescaldo violento da violência gerada pelo capitalismo recai em segunda instância. Até porque nunca vi um megaempresário reclamar por ter tido seu celular roubado. Os problemas criados por esta classe não chegam até ela. Ao menos não como chegam até nós, pisoteadas bases da pirâmide social.

        O pavor incutido nas vítimas das vítimas existe para que não se aproximem, para que a base não apóie as lutas advindas da base da base. Para que se identifiquem com o coiote, e não com as ovelhas, que são. Para que desejem cegamente o encarceramento em massa, para que não se comovam com a tortura, com as rajadas de tiros disparadas a esmo pelo Estado, com as invasões de domicílios sem mandado judicial realizadas à qualquer hora do dia, da noite ou da madrugada, para que não se sensibilizem com os assassinatos promovidos cotidianamente contra o povo empobrecido. Enquanto isso, os problemas dos quais os setores médios tentam se distanciar só aumentam, e os muros e cercas elétricas se mostram cada dia mais inúteis. A coisa é tão irracional que, se o problema é a proliferação de armas, por que não concentrar esforços na luta pelo fechamento das indústrias capitalistas que as produzem? Enfim, o intuito do sistema é sempre o mesmo: dividir para dominar.

        Finalizo esta reflexão dizendo que, em meus 20 anos de militância construindo o Poder Popular, não encontrei solidariedade mais profunda, abrangente e verdadeira do que aquela realizada dia a dia, hora a hora, minuto a minuto nas comunidades periféricas, seja na cidade ou no campo. O capitalismo não é onipotente. Onde existe injustiça, vive e resiste seu antagonista, a humanidade em atos.

        O desafio, então, segue se reunir, se reunir, se reunir! E àquelas e aqueles que sonham com um mundo outro, me refiro à militância anticapitalista (seguidora de Jesus de Nazaré, anarquista, socialista, comunista...), cabe somente encontrar formas de cair para dentro. Até porque, como sabemos, toda reunião é permeada por ideologias, e nem todas promovem o necessário e vital caminhar para a libertação.

        Não compete a revolucionários e revolucionárias o crime covarde do dedo em riste do julgamento à distância. É preciso trabalhar as bases para unificar a luta contra o capitalismo, inimigo comum de toda a humanidade. Pois somente assim, no dia em que o morro descer e não for carnaval, celebraremos, toda gente junta, o samba alegre e imatável de um novo amanhã.

terça-feira, 21 de maio de 2024

Brigada Popular de Saúde



Por Jerffson Fei, membro da comissão de comunicação da OPA na Ocupação Carlos Marighella.


Nasce a semente da Brigada Popular de Saúde Carlos Marighella!

Nasce em contexto de um grau imenso de doença mental em nossa comunidade. Nasce como o vento, que há tempos é como milagre diante de tanto caos sócio-ambiental e humano.

E na afirmação da necessidade de se organizar ante as dificuldades impostas contra o Sistema Único de Saúde, sempre superlotados.

A demanda pela saúde é extrema! E essa cura não vem apenas deste setor da sociedade. Aprendemos ainda mais na semana de trabalhos para a formação da Brigada que o remédio para tantas enfermidades se encontra no modelo de vida que levamos. Atualmente, só nos adoece. A falta de acesso básico à alimentação, lazer, cultura, arte, à moradia digna e por aí vai.

Este ponto relata um dos pontos principais da Brigada Popular de Saúde, que nos move à solidariedade entre o curador e os que buscam a cura, seja a cura imediata de si ou a cura coletiva para avançar nesta defesa.

E não dá pra deixar de lembrar que estamos a falar de mais um direito negado em sua essência, quando passamos meses em uma fila de espera por um exame médico, quando somos jogados de um posto para outro, e quando temos que sair pela madrugada para pegar filas imensas para uma única marcação.

E é neste contexto que a Brigada traz seu segundo ponto essencial e vital para a comunidade: a importância de se organizar para buscar soluções que não vêm do agressor (modelo do sistema).

Não dá pra deixar de falar das dificuldade dos profissionais, que ainda são poucos neste setor. Além da demanda imensa de atendimentos, onde nos colocam a todo momento em confronto com o trabalhador da saúde, como se ele fosse o culpado do caos dentro dos espaços que buscamos a cura.

E o terceiro ponto , um diagnóstico da saúde de nossa comunidade, com isso vemos qual a importância de conseguirmos perceber o que nos adoece no contexto atual.

As doenças são basicamente as mesmas. E vemos o grau de avanço da falta de direitos e o racismo ambiental escancarando.

Neste sistema, saúde é mercadoria.  Nossos corpos existem para gerar lucro.

Estamos falando de uma fábrica de produzir doenças. Quanto mais doentes, mais lucro.

O lobby farmacêutico é um dos mais ricos do mundo! Não à toa, temos polos farmacêuticos em todo território brasileiro, até na Amazônia.

Temos uma sociedade DOPADA com químicos legais, mas podemos plantar nesta Casa Comum e se utilizar da cura das plantas benzedeiras, chás... E que a ciência moderna também se encontre dentro deste processo.

Ficamos firmes no compromisso de manter esta chama viva!

Agradecer imensamente ao camarada Wladimir Nunes e à camarada Mônica Lima, que com muito empenho firmaram a bandeira preventiva de dias melhores que virão.

E um salve aos hermanos do Partido Comunista Brasileiro, pela ativa parceria!

 

CÁPSULAS DE BALAS E DESTRUIÇÃO CRIMINOSA: JACINTA SOUSA RESISTE!

 



Equipe de Comunicação da OPA.

 

            A Ocupação Jacinta Sousa conta com a participação de aproximadamente 50 famílias, a maioria nativa, originária de Majorlândia e imediações, no município de Aracati-CE. São descendentes de pessoas que perderam suas terras dentro do contexto dos sucessivos e violentos processos de colonização-invasão empresarial. A forma que encontraram de resistir no presente foram ocupando e pegando de volta uma das terras tomadas de seus ancestrais.

            A retomada da terra vem ocorrendo de forma gradual numa área então completamente abandonada. No estágio atual, as famílias construíram um barracão coletivo, com cozinha, e diariamente se revezam na preparação do espaço para a edificação das futuras casas e quintais produtivos, enquanto o processo de titulação tramita no Judiciário e no IDACE.

            Desde a construção do barracão e cozinha coletivos, a comunidade vem sofrendo com frequentes ameaças e tentativas de intimidação. Um conhecido policial do Raio, à paisana, esteve no local; depois foi a vez de uma mulher, que ligou para um membro da coordenação da OPA, declarando-se representante de um grupo norueguês, supostamente proprietário do terreno. Em ambos os casos, foi dito aos ameaçadores que procurassem os meios legais, que apresentassem os documentos que alegam possuir...

            Apesar de expressarem insistentemente que não é guerra o que querem, mas terra, terra para criar suas crianças e viver com dignidade, as ameaças contra a comunidade só se intensificam. Na madrugada de sábado para domingo, invasores atearam fogo e destruíram o barracão e a cozinha, e dez cápsulas de munição foram encontradas entre os escombros. Testemunhas confirmam ter ouvido sons de tiros.

            Enquanto cobramos uma resposta imediata das autoridades, reafirmamos que não pararemos de lutar em defesa de nossa Casa Comum, como o Papa Francisco chama a vida no planeta. Porque a Terra é para todas as pessoas, e não somente para algumas. Sabemos que é com união e luta que conquistaremos nossos tetos de telha e faremos de nosso teto de nuvem um mundo onde cercas e balas não serão mais capazes de impedir a retomada da dignidade há tempos usurpada.

Compartilhe! Entre em contato! Lute!

Insta: @opa_organizacaopopular





quinta-feira, 2 de maio de 2024

UM PRIMEIRO DE MAIO HISTÓRICO NA OCUPAÇÃO DOM FRAGOSO






“Não queremos a formação de pessoas pacifistas, que coexistem pacificamente com as injustiças e não reclamam contra ela, não lutam por medo, conveniência ou interesse. Queremos formar militantes, combatentes do Reino, lutadores da justiça.”

Dom Fragoso

 

 

           Há exatos três anos, numa manhã de Primeiro de Maio, conhecido Dia Internacional de Luta da Classe Trabalhadora, nascia a Ocupação Dom Fragoso, na zona rural de Jaguaruana, pequena cidade do interior do Ceará.

            Cada ano, na comunidade, as famílias camponesas se acostumaram  a fazer memória de seu aniversário, de sua luta, que se junta à luta de todo o povo, de todas as épocas, em todo o mundo.

            Este ano, a atividade ganhou um caráter mais que especial, muito em virtude do momento de crise em que passa a humanidade, mas também pela carência de utopia e de combatividade em que se encontra mergulhada grande parte das mais conhecidas organizações originadas da classe explorada e oprimida. Em momento de tormenta no mar da esperança, as ilhas de labaredas do Poder Popular, espalhadas no Brasil e no mundo, mas ainda bastante dispersas, revigoram as entranhas da alma de quem trabalha e procura por um porto presente e futuro de vida plena para todas as pessoas do planeta.

           A celebração, que durou cinco horas seguidas, logo ganhou contornos de fortalecimento da luta em defesa da Casa Comum, como o Papa Francisco chama a vida no planeta Terra. Por falar em papa, participaram evangélicos, gente sem religião, nove padres, diácono, seminaristas e leigos de dioceses diferentes do Ceará. Inclusive, esteve presente o padre Gel, de Crateús, que partilhou ensinamentos de Dom Fragoso, cristão lutador das causas populares, com quem conviveu por décadas.

              DAP (Diálogo de Ação Petista), PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), PCB (Partido Comunista Brasileiro) e seus coletivos, Teia dos Povos, Cáritas, Movimento 21, FAFIDAM (Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos), CPT (Comissão Pastoral da Terra), estiveram bem representados juntos à companheirada de inúmeras comunidades, camponesas e da periferia urbana, da região e da capital. A presença diversa mostrou o que é a classe explorada e oprimida, o que é a construção do Poder Popular, o que pretende ser a OPA.

“O capitalismo é um sistema que desumaniza, que aleija, que assassina milhões, bilhões, mas ele não consegue enterrar nossa alma, nossa ânsia de construir uma sociedade que seja de dignidade para todas as pessoas. E esse é o medo que os donos do poder têm de nós. Esse é o risco que o sistema opressor corre. A Dom Fragoso nasce da luta pela terra, mas vai além! É pela terra, para plantar alimentos saudáveis, mas é também pela Terra, pela vida no planeta Terra, em defesa de nossas vidas, em Defesa da Casa Comum”, declarou Elisângela Gomes, moradora da comunidade e uma das coordenadoras da OPA.            

      O Primeiro de Maio na Ocupação Dom Fragoso foi histórico! Histórico pela simplicidade e criatividade do momento, própria da participação ativa do povo; foi histórico pela união dos de baixo e seus apoiadores, em construção cada vez mais ampla; pelo olhar para a vida local em consonância com a vida em todo o planeta; pelo fortalecimento da organização da classe oprimida e explorada, única possibilidade de libertação para toda humanidade. E, se os orixás, encantadas e encantados, se Deus quiser, e ele quer, eles e elas querem, com fé na luta e na organização de todo o povo, uma libertação que virá antes que os capitalistas acabem com tudo.

Amém! Axé! Auerê! Aleluia!

 

Equipe de Comunicação da OPA.

 

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

COM-HUMANIDADE AMEAÇADA

 


Equipe de Comunicação da Organização Popular – OPA

 

    O Conjunto Nossa Senhora de Fátima nasceu há 16 anos. Fruto da organização e luta de centenas de famílias Sem Teto. Ocuparam um terreno, foram despejadas, resistiram e persistiram, choraram e sorriram, até a conquista da tão necessária e sonhada terra.

                A construção das casas se deu em mutirão: todo mundo ajudando todo mundo. Logo surgiu a ideia de uma cozinha coletiva, que recebia contribuições conforme as possibilidades de cada família, e distribuía conforme as necessidades. A cozinha funciona até hoje, sendo inclusive a salvaguarda de dependentes químicos, idosas, de pessoas totalmente desamparadas que são acolhidas na sede da associação da comunidade.

            Com o passar do tempo, a organização se aperfeiçoou. Apareceram as escalas, um momento de trabalho voluntário semanal que cada família assume. “Assume”, com o verbo conjugado no presente mesmo, pois se mantém operantes ainda hoje. Aguar as plantas da rua, catar o lixo do bairro, por exemplo, são atividades comuns das escalas. Por falar em vida, os mutirões seguem de forma ininterrupta também, faça chuva ou faça sol, todas as manhãs de domingo, sempre em benefício da coletividade.

            A seriedade e os frutos da luta e da organização logo se tornaram referência para outras famílias desabrigadas do município e da região, que procuraram a coordenação do Conjunto por orientação. E foi assim que, em 11 de novembro de 2017, nasceu uma nova ocupação, a Segunda Etapa do Conjunto. Tal e qual as primeiras, essas famílias também foram bastante perseguidas pelos poderes constituídos, também resistiram e persistiram, e conquistaram a terra. A entrada da Segunda Etapa deu novo gás à dinâmica social do bairro.

             A ecologia, aspecto vital à espécie humana e tão maltratada no perverso capitalismo, em sentido amplo e profundo, sempre foi uma marca do Conjunto Nossa Senhora de Fátima. A produção, distribuição e plantio de mudas, através do trabalho voluntário, revitalizaram vegetações nativas e parte do degradado Riacho das Priquitinhas, córrego que atravessa o bairro. O incentivo aos quintais produtivos, importante auxílio na sustentação de várias famílias; a criação coletiva de animais; a catação semanal de material para reciclagem e reutilização; a educação através do criativo e autônomo projeto Paulo Freire... Nas circunstâncias que o capitalismo impôs a estas famílias, o Conjunto é, em seu conjunto, uma rara experiência de vida verdadeiramente sustentável. Exemplo para o mundo, esperança posta em prática cotidianamente.

          Na Comunidade Nossa Senhora de Fátima não existe moradores nem crianças de rua. Há necessidades, sim, muitas, mas, graças ao espírito de solidariedade alimentado como incansável ação diária, não há fome. Há momentos de tristeza e de dificuldade, mas a esperança, alicerçada numa história renitente de união e luta, nunca abandona. Não abandona quem precisa. E é por isso que no dia 27 de janeiro deste ano nasceu uma nova retomada, uma nova ocupação de terra, com dezenas de famílias Sem Teto.

     Tal e qual suas irmãs precursoras, a Terceira Etapa já veio ao mundo perseguida. Recentemente, o prefeito Marcelo Machado, interpelado por uma comissão das famílias sobre sua responsabilidade para com os deveres inerentes ao cargo, disse cinicamente para os ocupantes “voltarem para suas casas”, que a área já tinha outra destinação em vista. “Nossas casas? Que casas?! As do aluguel, que saímos porque não conseguimos pagar?”, contestou a comissão.

     No dia 09 de fevereiro, uma nova comissão, formada por doze mulheres e mais o presidente da associação da comunidade, foi até a prefeitura falar com um dos chefes da administração, doutor Emanuel Castro, que deixou claro que uma ordem de despejo já havia sido solicitada ao judiciário contra as famílias.

     Famílias sem moradia e um direito constitucional sendo escancaradamente desdenhado por uma gestão que deveria era assegurá-lo. A ocupação – Terceira Etapa – e suas barracas de lona, alívio imediato para quem antes era enforcado mensalmente pelo aluguel, é feita nas adjacências do velho Conjunto, numa área pública do município.

    Comunidade Nossa Senhora de Fátima, periferia urbana de Crateús, Ceará, de reconhecidos exemplos naquilo em que a humanidade mais carece e precisa. Deveria ser zelada, protegida, potencializada em suas qualidades, mas, ao contrário, é tratada como perigo para os donos do poder.

   Esperança ameaçada, humilhada, mas jamais sozinha ou abandonada. Nunca apartada da humanidade teimosa e exuberante presente em incontáveis seres humanos. Pessoas, pessoas pessoas, que não se dobram à indiferença fabricada. Esperança viva e resistente. Resistente até as últimas consequências. Indestrutível, posto que, se arreda, é porque até o arco-íris já se foi.

                 

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Dívida Pública e o martírio de todo um povo*

 


Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA

 

O que é Dívida Pública e o que ela tem a ver com a minha, com a sua, com as nossas vidas? Vamos saber agora.

A chamada Dívida Pública existe há mais de quinhentos anos. Deveria ser um recurso que o Estado e os governos brasileiros tomariam emprestado a bancos para investir na melhoria da vida de toda a população. Deveria, mas não é! Mesmo o discurso difundido sendo este, a Dívida tem servido mesmo é para sangrar o povo brasileiro e enriquecer meia dúzia de banqueiros e megaempresários. Até porque é este grupo, esta classe de capitalistas, quem determina como seus governos devem aplicar o dinheiro emprestado.

É a partir deste acordo feito às escondidas que governos limitam ao máximo os investimentos sociais em saúde, educação, moradia, Reforma Agrária... Precisam garantir, sem maiores preocupações para os banqueiros, o pagamento dos juros. Você já deve ter ouvido falar em Teto de Gastos, Responsabilidade Fiscal, Superávit Primário, Reforma da Previdência... São palavras “bonitas” que eles usam para enfeitar o roubo que promovem contra a gente.

Investigações feitas no Brasil descobriram inúmeras irregularidades e crimes envolvendo o processo da Dívida Pública. Estudos sinalizam, inclusive, que ela já foi paga mais de meia dúzia de vezes. Ainda assim, os valores atuais já ultrapassam 8 trilhões de reais. Os donos de bancos levam praticamente metade de tudo que o Estado brasileiro arrecada com nossos impostos a cada ano, só com o pagamento de juros e amortizações. Isso mesmo que você leu! Aproximadamente 50% dos cofres públicos vão para megaempresários, enquanto o sistema público de saúde, por exemplo, recebe pouco mais de 3% de investimento. Ou seja, não é por falta de dinheiro que as pessoas morrem na fila dos hospitais; é por decisão política, uma política que assassina e aleija milhões de famílias trabalhadoras. O Bolsa-Banqueiro é responsável direto pelo cruel e permanente martírio pelo qual passa nosso povo!

O que podemos fazer para mudar essa história? Lutar pela suspensão imediata do pagamento da Dívida, até que uma investigação profunda, com participação popular, escancare tintim por tintim a verdade dos fatos. Lutar por uma Auditoria da Dívida Pública!

 

Vamos conversar sobre...

1.      Como os problemas causados pela Dívida Pública são sentidos em nossas vidas?

2.      O que a Dívida Pública tem a ver com nossa Semana dos Mártires?

3.      Como a Dívida Pública interfere no projeto de Jesus de vida plena para todas as pessoas?

 

*Texto utilizado por Missionários/as Leigos/as Redentoristas na Semana dos Mártires de Parnaíba-PI, em 2023.

DEFENDER A CASA COMUM: CONSTRUIR A RETOMADA ANCESTRAL.

  Robson de Sousa Moraes (Geógrafo, Professor da UEG) robson.moraes@ueg.br     A Terra é nossa Casa Comum, um lar compartilhado ...