Por Thales Emmanuel, militante da OPA
Conheci-o numa manifestação de rua contra os agrotóxicos, na região de Limoeiro do Norte, Ceará. Estava vermelho, e não era do sol. Fora envenenado na e pela empresa do agronegócio em que trabalhava. Numa análise laboratorial, descobriu alterações não naturais em seu código genético. Segundo a pesquisadora, aquilo indicava que logo em breve Vanderlei adoeceria de câncer.
Aquele ser humano, trabalhador rural, proibido do acesso livre à terra, jogado na fila do desemprego e, assim, forçado a se submeter às mais desumanas condições para sustentar sua família, protestava, reivindicando o direito humano de viver como um humano.
Seu grito vibrava para além de palavras atiradas contra os agrotóxicos. Ecoava contra as cercas de uma sociedade cujo deus é o dinheiro. Como pode um país desse tamanho, ter tanta gente sem um chão para plantar e morar? Sendo que a existência de uma só pessoa sem terra deveria ser motivo mais que suficiente para tornar todas os demais seres humanos insurgentes contra o sistema que isso provoca! Como pode o trabalho, a mais potente força divina de criação, ser sinônimo de exploração, desigualdade e adoecimento? A sua maneira, Vanderlei gritava mesmo era contra a sacralização da propriedade privada!
Eram palavras contra políticos eleitos pelo povo, mas que tramam e conspiram contra o próprio povo. Afinal de contas, o veneno tá na lei, é autorizado com a única e cínica finalidade de engordar as gordas contas bancárias de uns poucos endinheirados, traficantes modernos de gente. Os navios negreiros de outrora continuam sua saga genocida em terra firme e, tal como antes, à luz do dia. A morte matada é planejada, conhecem-se as consequências e aplicam-se de maneira dissimulada a velha fórmula das correntes e açoites. Os capitalistas sabem bem para quem destinam as doenças geradas por sua sanha de lucro. “Na mansão, o fato não sensibiliza”. Vanderlei tinha plena consciência que sua vida não se esvaía por acidente. O lucro é um crime premeditado!
Suas palavras eram mais que palavras. Eram frases de sentimento. Sentimento de carne e osso. Dezenas de milhões de carnes e ossos iguais a ele.
Na primeira vez, estava de corpo inteiro. Na segunda, arrancaram-lhe um dos pés. No terceiro protesto, faltava-lhe uma perna. Na quarta, onde estava? Vanderlei, amputado membro a membro por conta do câncer, não mais existia. O que restara de seu corpo jazia agora em ensurdecedor silêncio.
Mas o que os senhores da morte não sabiam era que, esquartejado como um Tiradentes, reduzido a partes de si mesmo, Vanderlei se tornava mais que um Vanderlei. Vanderlei se multiplicava. Propagava-se como semente ao vento, e por inteiro, na carne, nos ossos e nas palavras de quem, com coragem e sentimento, tocava em frente sua teimosa e humana lei de não-desistência.
Essa é a lei, a lei de Vanderlei! O trabalhador que lutou até o fim da vida contra a morte matada e as leis que acumpliciam assassinos não confessos recebedores de honrarias sádicas.
Vanderlei, a lei irrevogável, a lei que não morre jamais.
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