Equipe de Comunicação da OPA
Uma é formada por 23 famílias, a outra por 80. Ambas nasceram da luta, da ocupação de latifúndios improdutivos no município de Jaguaruana, Ceará. Do ponto de vista do direito burguês, a situação delas segue sem resolução. Uma sobreviveu a algumas ordens de despejo, chegando a ser invadida por um trator da carcinicultura, a criação empresarial de camarão, momento em que trabalhadoras e trabalhadores o colocaram para fora na marra. Além das ordens de despejo, a outra resistiu por seguidas semanas à ofensiva de jagunços armados e encapuzados. Fora essas questões, o que as comunidades Dom Fragoso e Gregório Bezerra têm em comum?
Esta semana foi divulgado o levantamento da produção das duas comunidades. Na Dom Fragoso, registraram-se mais de 55 espécies diferentes, plantadas pelas famílias desde o primeiro dia da ocupação, em 01 de maio de 2021. São cereais, frutíferas, hortaliças, plantas de uso medicinal, oitenta pés de sabiá para extração de madeira.
As famílias criam sete tipos diferentes de animais, como 403 aves de pequeno porte e 40 porcos. Todo mês, a comunidade abastece a vizinhança com aproximadamente 1000 molhos de cheiro verde, além de uma boa diversidade de outros produtos. Quem for fazer uma visita e por força do acaso adoecer da garganta, saiba que não faltará limão, eucalipto para fazer o óleo ou o chá, a romã, a hortelã, açafrão... Existem 47 pés de acerola e quase 3000 cajueiros para não deixar ninguém gripar. Ah!, há casas, elas são erguidas com madeira local, que se embelezam com lindos jardins floridos.
A Gregório não é muito diferente. A variedade de espécies plantadas e criadas também é uma marca. Lá se colheu quase 20 toneladas de feijão este ano. Mais de 4 toneladas de melancia, mais de 5 de milho e mais de uma de melão. São oito tipos distintos de animais que as famílias criam. Como na Dom Fragoso, a comunidade Gregório Bezerra existe sem água encanada e sem energia elétrica. Ainda assim, não falta batata, macaxeira, gergelim, jerimum…
Vale lembrar que toda essa produção ocorre em meio à luta contra as forças do latifúndio, que ainda controla parte da terra da Gregório com a presença de pessoas a ele ligadas. Organização da vida em área de conflito!
Em relação aos venenos agrícolas, os chamados agrotóxicos, dentre as 103 famílias somadas, aproximadamente 25 usaram-nos este ano, e em plantas de ciclo curto, com aplicações pontuais. Destas 25 famílias, mais de 80% se valeram de produtos classificados pela legislação como de menor toxidade.
Os dados que nos chegam sobre a produção nas duas comunidades são emblemáticos, sobretudo para imaginarmos como seria a vida em sociedade se não fosse a questão agrária no Brasil do jeito que é.
Seu Cióta, por exemplo, com seus quase 80 anos, plantou e colheu pela primeira vez em sua vida sem as ordens do patrão quando passou a construir a Gregório Bezerra. Pela primeira vez não teve que entregar metade ou a terça parte do que produziu para um suposto dono da terra que nada fez. Todavia, não tivesse ele, junto com sua família e outros companheiros e companheiras, resistido à invasão jagunça, teria conseguido?
Essas famílias camponesas agora vivem em comunidades organizadas, cuja disciplina é constituída de uma substância bem diferente daquela da época do latifúndio. Ela existe para que todas e todos estejam no mesmo patamar, com o mesmo poder de questionar, sugerir e decidir, e com igual responsabilidade em assumir o que for definido coletivamente. Esta disciplina existe para gerar participação, e não submissão.
Isso dá medo à classe dos grandes proprietários. Obviamente que latifundiários não gostam, mas também não se aperreiam tanto com a perda de latifúndios improdutivos. Até porque o Estado os paga muito bem por eles. Sem contar que eles possuem seus mecanismos de contenção da luta dos trabalhadores. Por isso, mesmo com toda histórica e encarniçada luta camponesa, o Brasil continua nos primeiros postos dos países de maior concentração de terras do planeta.
O que os ricos capitalistas temem é que a luta ensine, é que os trabalhadores e trabalhadoras aprendam com a participação organizada que não haverá sossego, paz e sequer futuro sem uma revolução que derrube dos tronos os opressores e eleve os humildes, através do Poder Popular.
Como lembra o camponês e militante Luciano Gomes, morador da Comunidade de Resistência Terra Esperança, o pavor deles é que a produção de alimentos caminhe junto com a produção da consciência.