sexta-feira, 1 de julho de 2022

BELO MONTE E O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO



 Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

            O Acampamento Belo Monte nasceu na zona rural de Jaguaruana-CE no dia 17 de abril de 2007, quando quase cem famílias camponesas entraram num latifúndio abandonado para fazer valer o direito a um pedaço de chão de onde pudessem tirar seu sustento.

            As famílias se arrancharam num velho galpão – mulheres, homens, crianças, idosos. Havia muitos marimbondos. Vez em quando alguém era ferroado. A ocupação ocorreu durante a madrugada e, logo no dia seguinte, apareceram uns caras com fama de pistoleiro a espreitar dia e noite.

            Num dia, o acampamento amanheceu sem água. “Os capangas cortaram os canos”, disseram. O que fazer? Rapidamente organizou-se uma marcha e, de repente, as famílias estavam frente à frente com os cabras. Sem muita conversa, a encanação foi desobstruída, gritaram-se palavras de ordem e o povo Sem Terra retornou ao galpão com a água.

Apesar dos apoios, os recursos escasseavam. Numa noite, faltou com o que fazer a janta. Uma criança chorou de fome. A despensa da cozinha coletiva estava vazia. E agora? “As famílias já haviam partilhado o que possuíam. E qualquer um que saia neste horário à procura de alimento tá arriscado a ser atocaiado nestas estradas escuras.” A cidade ficava a uns quinze quilômetros.

A militância convoca uma reunião com todo o acampamento. Alguns, já deitados para dormir, se levantam para participar. Foi aí que a camarada H. L., coordenadora em exercício e militante cheia de fé em Jesus e na capacidade de organização e de luta da classe trabalhadora, fez uma potente reflexão sobre partilha, tão viva quanto o testemunho militante demonstrado naquelas semanas.

Quando concluiu, as famílias, uma por uma, começaram a escavacar seus poucos pertences. Surpreendentemente, apareceu meio pacote de bolacha, depois um tanto de farinha, um resto de frango, mais uns biscoitos, um pouquinho de açúcar, café... Eu sei que, ao final, todos e todas jantaram e ainda se guardou uma considerável sobra na despensa.

Simplesmente incrível: o milagre da multiplicação vem da partilha! Na sequência da militância, descobri que o mesmo fenômeno acontece todos os dias entre o povo explorado e oprimido. Sem esta solidariedade entre iguais, a sobrevivência seria impossível e a vida apagada de esperança.

        Agora, pensando cá comigo, imagina quando partilharmos algo mais do que as sobras do sistema! Partilhar a esperança ativa e fazer como as famílias camponesas fizeram quando os capangas cortaram a água: se organizar, ir lá e pegar de volta. Imagina quando pegarmos de volta o todo social! Não haverá mais criança chorando de fome nem cercas separando a classe trabalhadora dos frutos de seu trabalho; a mãe natureza será, enfim, desencarcerada. Este milagre tem nome, chama-se Revolução.

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