Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.
O
Acampamento Belo Monte nasceu na zona rural de Jaguaruana-CE no dia 17 de abril
de 2007, quando quase cem famílias camponesas entraram num latifúndio
abandonado para fazer valer o direito a um pedaço de chão de onde pudessem
tirar seu sustento.
As
famílias se arrancharam num velho galpão – mulheres, homens, crianças, idosos. Havia
muitos marimbondos. Vez em quando alguém era ferroado. A ocupação ocorreu
durante a madrugada e, logo no dia seguinte, apareceram uns caras com fama de
pistoleiro a espreitar dia e noite.
Num
dia, o acampamento amanheceu sem água. “Os capangas cortaram os canos”,
disseram. O que fazer? Rapidamente organizou-se uma marcha e, de repente, as
famílias estavam frente à frente com os cabras. Sem muita conversa, a encanação
foi desobstruída, gritaram-se palavras de ordem e o povo Sem Terra retornou ao galpão
com a água.
Apesar dos apoios, os recursos escasseavam.
Numa noite, faltou com o que fazer a janta. Uma criança chorou de fome. A
despensa da cozinha coletiva estava vazia. E agora? “As famílias já haviam partilhado
o que possuíam. E qualquer um que saia neste horário à procura de alimento tá
arriscado a ser atocaiado nestas estradas escuras.” A cidade ficava a uns
quinze quilômetros.
A militância convoca uma reunião com
todo o acampamento. Alguns, já deitados para dormir, se levantam para
participar. Foi aí que a camarada H. L., coordenadora em exercício e militante
cheia de fé em Jesus e na capacidade de organização e de luta da classe
trabalhadora, fez uma potente reflexão sobre partilha, tão viva quanto o
testemunho militante demonstrado naquelas semanas.
Quando concluiu, as famílias, uma por
uma, começaram a escavacar seus poucos pertences. Surpreendentemente, apareceu
meio pacote de bolacha, depois um tanto de farinha, um resto de frango, mais
uns biscoitos, um pouquinho de açúcar, café... Eu sei que, ao final, todos e
todas jantaram e ainda se guardou uma considerável sobra na despensa.
Simplesmente incrível: o milagre da
multiplicação vem da partilha! Na sequência da militância, descobri que o mesmo
fenômeno acontece todos os dias entre o povo explorado e oprimido. Sem esta solidariedade
entre iguais, a sobrevivência seria impossível e a vida apagada de esperança.
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