sexta-feira, 10 de junho de 2022

CANTO DE ACAUÃ

 


Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

            Acauã é conhecida no sertão como ave de canto agorento. “Quando Acauã canta, é trazendo coisa ruim”, diz-se. Apedrejado, afugentado, incompreendido, Acauã é, na verdade, um alerta para dificuldades que virão. Aviso sóbrio para que nos preparemos. Isso porque ele sente o que ainda não sentimos, enxerga o que não enxergamos. Enquanto estamos no planeta terra, Acauã já está em Plutão.

            Acauã é parte da caatinga, bioma que, quando coberta pelo lençol de veludo da chuva, logo muda de tom. O que era cinza se esverdeia. Do chão duro brotam desavergonhadas plantas novas. Estratégia da floresta: manter viva a vida, ainda que aparentemente morta, porque na hora certa ela se revelará em seu mais potente esplendor.

            Mais um projeto do capital invade o Quilombo do Cumbe, no município de Aracati, litoral leste do Ceará. Mais uma frota de caravelas, mais um “descobrimento”... Na audiência pública que convocam para apresentar à comunidade os incontáveis benefícios do desenvolvimento recém-chegado, algumas vozes se erguem contrárias: “É tudo mentira!” São reconhecidas lideranças locais, respeitadas, mas, naquele momento, são vaiadas. Vaiadas pela própria comunidade.  “Deixa o homem falar! Ele tá dizendo que vai trazer progresso e emprego pra gente.” A audiência termina, a empresa vence, se instala.

Dói profundo na alma. A vontade de desistir corrói as tripas, mas os quatro gatos pingados rejeitados seguem com seus cantos de Acauã.

Aos poucos, o projeto empresarial se mostra tal como ele é: aos ricos, o suprassumo do lucro; aos trabalhadores e trabalhadoras, aos quilombolas, o bagaço da enganação e da exploração, a destruição de seu lar. A comunidade é triturada. O sofrimento se alastra. E agora, a quem recorrer? Silenciado o volume inicial da euforia, em meio à completa desolação, ouve-se um canto: Acauã, é você? Acauã? ... Sim, Acauã não se foi. Sempre presente Acauã!

“Vamos fechar a estrada e paralisar a obra!”, propõem as lideranças não rendidas.

A comunidade, convencida pela difícil realidade, agora é comunhão total. A chuva reaparece e o solo da luta se colore! A estrada é “rolada”, a obra paralisada! O alvo daí em diante é o inimigo, não os irmãos e irmãs. O trator da mentira não tritura mais...

A resistência dos bravos e bravas militantes, o persistente cântico profético dos Acauãs solitários...  Quando a chuva novamente banhar a terra seca, que encontre vivas e combativas sementes de libertação.

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