Thales Emmanuel, militante da Organização Popular –
OPA.
Acauã
é conhecida no sertão como ave de canto agorento. “Quando Acauã canta, é
trazendo coisa ruim”, diz-se. Apedrejado, afugentado, incompreendido, Acauã é,
na verdade, um alerta para dificuldades que virão. Aviso sóbrio para que nos
preparemos. Isso porque ele sente o que ainda não sentimos, enxerga o que não enxergamos.
Enquanto estamos no planeta terra, Acauã já está em Plutão.
Acauã
é parte da caatinga, bioma que, quando coberta pelo lençol de veludo da chuva,
logo muda de tom. O que era cinza se esverdeia. Do chão duro brotam desavergonhadas
plantas novas. Estratégia da floresta: manter viva a vida, ainda que
aparentemente morta, porque na hora certa ela se revelará em seu mais potente esplendor.
Mais
um projeto do capital invade o Quilombo do Cumbe, no município de Aracati,
litoral leste do Ceará. Mais uma frota de caravelas, mais um “descobrimento”...
Na audiência pública que convocam para apresentar à comunidade os incontáveis
benefícios do desenvolvimento recém-chegado, algumas vozes se erguem
contrárias: “É tudo mentira!” São reconhecidas lideranças locais, respeitadas,
mas, naquele momento, são vaiadas. Vaiadas pela própria comunidade. “Deixa o homem falar! Ele tá dizendo que vai
trazer progresso e emprego pra gente.” A audiência termina, a empresa vence, se
instala.
Dói profundo na alma. A vontade de
desistir corrói as tripas, mas os quatro gatos pingados rejeitados seguem com
seus cantos de Acauã.
Aos poucos, o projeto empresarial se mostra
tal como ele é: aos ricos, o suprassumo do lucro; aos trabalhadores e
trabalhadoras, aos quilombolas, o bagaço da enganação e da exploração, a
destruição de seu lar. A comunidade é triturada. O sofrimento se alastra. E
agora, a quem recorrer? Silenciado o volume inicial da euforia, em meio à
completa desolação, ouve-se um canto: Acauã, é você? Acauã? ... Sim, Acauã não
se foi. Sempre presente Acauã!
“Vamos fechar a estrada e paralisar a
obra!”, propõem as lideranças não rendidas.
A comunidade, convencida pela difícil
realidade, agora é comunhão total. A chuva reaparece e o solo da luta se
colore! A estrada é “rolada”, a obra paralisada! O alvo daí em diante é o
inimigo, não os irmãos e irmãs. O trator da mentira não tritura mais...
A resistência dos bravos e bravas militantes,
o persistente cântico profético dos Acauãs solitários... Quando a chuva novamente banhar a terra seca,
que encontre vivas e combativas sementes de libertação.
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