Equipe de Comunicação da Organização Popular – OPA
O Conjunto Nossa Senhora de Fátima
nasceu há 16 anos. Fruto da organização e luta de centenas de famílias Sem Teto.
Ocuparam um terreno, foram despejadas, resistiram e persistiram, choraram e
sorriram, até a conquista da tão necessária e sonhada terra.
A
construção das casas se deu em mutirão: todo mundo ajudando todo mundo. Logo
surgiu a ideia de uma cozinha coletiva, que recebia contribuições conforme as
possibilidades de cada família, e distribuía conforme as necessidades. A
cozinha funciona até hoje, sendo inclusive a salvaguarda de dependentes
químicos, idosas, de pessoas totalmente desamparadas que são acolhidas na sede
da associação da comunidade.
Com o passar do tempo, a organização se
aperfeiçoou. Apareceram as escalas, um momento de trabalho voluntário semanal
que cada família assume. “Assume”, com o verbo conjugado no presente mesmo,
pois se mantém operantes ainda hoje. Aguar as plantas da rua, catar o lixo do
bairro, por exemplo, são atividades comuns das escalas. Por falar em vida, os
mutirões seguem de forma ininterrupta também, faça chuva ou faça sol, todas as
manhãs de domingo, sempre em benefício da coletividade.
A
seriedade e os frutos da luta e da organização logo se tornaram referência para
outras famílias desabrigadas do município e da região, que procuraram a
coordenação do Conjunto por orientação. E foi assim que, em 11 de novembro de
2017, nasceu uma nova ocupação, a Segunda Etapa do Conjunto. Tal e qual as
primeiras, essas famílias também foram bastante perseguidas pelos poderes
constituídos, também resistiram e persistiram, e conquistaram a terra. A
entrada da Segunda Etapa deu novo gás à dinâmica social do bairro.
A
ecologia, aspecto vital à espécie humana e tão maltratada no perverso
capitalismo, em sentido amplo e profundo, sempre foi uma marca do Conjunto
Nossa Senhora de Fátima. A produção, distribuição e plantio de mudas, através
do trabalho voluntário, revitalizaram vegetações nativas e parte do degradado
Riacho das Priquitinhas, córrego que atravessa o bairro. O incentivo aos
quintais produtivos, importante auxílio na sustentação de várias famílias; a
criação coletiva de animais; a catação semanal de material para reciclagem e reutilização;
a educação através do criativo e autônomo projeto Paulo Freire... Nas
circunstâncias que o capitalismo impôs a estas famílias, o Conjunto é, em seu
conjunto, uma rara experiência de vida verdadeiramente sustentável. Exemplo
para o mundo, esperança posta em prática cotidianamente.
Na
Comunidade Nossa Senhora de Fátima não existe moradores nem crianças de rua. Há
necessidades, sim, muitas, mas, graças ao espírito de solidariedade alimentado
como incansável ação diária, não há fome. Há momentos de tristeza e de
dificuldade, mas a esperança, alicerçada numa história renitente de união e
luta, nunca abandona. Não abandona quem precisa. E é por isso que no dia 27 de
janeiro deste ano nasceu uma nova retomada, uma nova ocupação de terra, com dezenas
de famílias Sem Teto.
Tal e qual suas irmãs precursoras, a Terceira
Etapa já veio ao mundo perseguida. Recentemente, o prefeito Marcelo Machado,
interpelado por uma comissão das famílias sobre sua responsabilidade para com
os deveres inerentes ao cargo, disse cinicamente para os ocupantes “voltarem
para suas casas”, que a área já tinha outra destinação em vista. “Nossas casas?
Que casas?! As do aluguel, que saímos porque não conseguimos pagar?”, contestou
a comissão.
No dia 09 de fevereiro, uma nova
comissão, formada por doze mulheres e mais o presidente da associação da
comunidade, foi até a prefeitura falar com um dos chefes da administração,
doutor Emanuel Castro, que deixou claro que uma ordem de despejo já havia sido
solicitada ao judiciário contra as famílias.
Famílias sem moradia e um direito
constitucional sendo escancaradamente desdenhado por uma gestão que deveria era
assegurá-lo. A ocupação – Terceira Etapa – e suas barracas de lona, alívio
imediato para quem antes era enforcado mensalmente pelo aluguel, é feita nas
adjacências do velho Conjunto, numa área pública do município.
Comunidade Nossa Senhora de Fátima, periferia urbana de Crateús, Ceará, de reconhecidos exemplos naquilo em que a humanidade mais carece e precisa. Deveria ser zelada, protegida, potencializada em suas qualidades, mas, ao contrário, é tratada como perigo para os donos do poder.
Esperança ameaçada, humilhada, mas jamais sozinha ou abandonada. Nunca apartada da humanidade teimosa e exuberante presente em incontáveis seres humanos. Pessoas, pessoas pessoas, que não se dobram à indiferença fabricada. Esperança viva e resistente. Resistente até as últimas consequências. Indestrutível, posto que, se arreda, é porque até o arco-íris já se foi.
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