terça-feira, 10 de maio de 2022

APRENDENDO A ESCUTAR O POVO

 


Thales Emmanuel, militante da Organização Popular – OPA.

 

            Militava há três anos no Movimento Sem Terra, quando fui transferido de região. Num dos primeiros Trabalhos de Base com os novos companheiros e companheiras, fui com o camarada Odahi Magalhães, então dirigente local, a uma reunião na escola do assentamento Aroeira Vilany. A reunião era para toda a comunidade, mas, diante da baixa participação – somente três pessoas compareceram –, resolvemos remarcar a atividade para uma semana depois, na casa de uma das famílias, que ficava na vila dos moradores e assim facilitaria a locomoção. No dia e hora agendados, estávamos lá, mas a reunião foi novamente adiada, isso porque só compareceram cinco pessoas, incluindo os donos da casa.

“E agora, Odahi, o que faremos?” – perguntei, sem conseguir esconder o desapontamento.

“Vamos agendar para daqui a uma semana. Enquanto isso, passaremos de casa em casa convidando o pessoal.”

E assim aconteceu, uma por uma, das 150 casas do assentamento. Chegamos à escola, local espaçoso, que avaliamos ser o mais apropriado, dado a expectativa pela quantidade de participantes. Expectativa rapidamente frustrada. Apenas seis pessoas presentes! Só que desta vez desenrolamos a reunião. Confesso que, da minha parte, em total desmotivação.

Findada a atividade, peguei o capacete e, antes de montarmos na moto, comentei meio raivoso:

“Foda, né, Odahi!? Tanto trabalho pra n...”

O comandante, apelido carinhoso do camarada, nem me escutou e falou com uma inesperada alegria:

“Você viu só?!”

“Vi o quê? A ausência do povo?”

“Não! Quer dizer, também! Mas principalmente o que eles falaram?”

E começou a listar uma série de coisas positivas que se passara na reunião. Me senti um tanto quanto decepcionado comigo mesmo. “Como não percebi tudo aquilo?” Conferia o que Odahi me relatava com a realidade... e não era que era tudo verdade! Três anos de Movimento Sem Terra, três anos de Trabalho de Base, e somente ali, com aquela partilha empolgada, entendi pela primeira vez o sentido do “saber escutar o povo”, princípio bastante lembrado nas formações do MST. Ali me dei conta que até a ausência quase que generalizada, apesar de todo esforço de mobilização que fizemos, consistia numa comunicação, numa mensagem para melhor entendermos a realidade local, as dificuldades vividas, as motivações e desmotivações das famílias, o estágio de suas e, por tabela, de nossas consciências – por que não? –. Enfim, uma oportunidade para melhorarmos metodologias e nos tornarmos militantes mais capacitados.

O povo, a classe trabalhadora, possui sua cientificidade, e, como toda ciência, sua própria linguagem. Eu ouvira tudo o que disseram na reunião, mas nada escutei. Meus ouvidos não estavam preparados para compreender a linguagem cheia de revelações que emana destes encontros.

O estetoscópio, por exemplo, é um instrumento utilizado por profissionais da saúde para auscultar órgãos internos do corpo. “Auscultar” é a palavra técnica usada para a escuta feita por pessoas que se capacitaram para isso. Se eu, como leigo na área, pego um aparelho desses e o encosto no peito de alguém, certamente ouvirei as batidas do coração, mas não entenderei nada do que ele está me dizendo. Assim é com a luta popular. O Trabalho de Base é uma escola que forma a militância para saber escutar e entender o povo. Nesta universidade, aula à distância não funciona. É preciso entrar em contato!

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